Publicado originalmente em inglês no dia 14 de novembro
de 2011.
Seguindo o exemplo da Grécia, é provável
que a Itália logo venha a ser dirigida por um governo tecnocrata
nomeado pelos bancos internacionais. O primeiro-ministro Sílvio
Berlusconi convocou uma reunião de gabinete para sábado
à noite, na qual ele deverá entregar sua carta de
renúncia. O mais cotado para sucedê-lo é o
economista e ex-comissário europeu, Mario Monti, que não
é aliado político de Berlusconi.
Berlusconi anunciou na noite de terça-feira que iria
renunciar caso o parlamento italiano adotasse as medidas de austeridade
exigidas pela UE. Porém, ele não havia especificado
nenhuma data. Os mercados financeiros estavam insatisfeitos com
esse anúncio vago, e na quarta-feira as taxas de juros
dos títulos italianos dispararam para 7%, tornando o refinanciamento
da dívida pública praticamente impossível.
A União Europeia também intensificou sua pressão.
O chefe do fundo de resgate europeu (EFSF), Klaus Regling, declarou
em uma entrevista a jornais europeus que o país precisava
de "um governo operante o mais rápido possível".
A Itália havia perdido o "prazo para acalmar os mercados",
avisou.
O parlamento italiano então declarou que estava disposto
a adotar o pacote de austeridade em procedimentos sumários.
O pacote inclui cortes de empregos no setor público, a
desregulação do mercado de trabalho e cortes sociais.
Especialistas concordam que essas medidas são apenas o
prenúncio de cortes futuros.
Na sexta-feira, o senado aceitou o pacote de austeridade por
156 votos contra doze. Espera-se que no sábado a câmara
de deputados faça o mesmo. Isso abriria caminho para a
renúncia de Berlusconi, e um novo governo poderia ser formado
já na próxima semana.
A força que está por trás do remanejamento
do governo é o presidente Giorgio Napolitano. Ele insistiu
diversas vezes nos últimos meses que se implementassem
as medidas da UE. Oficiais internacionais do governo agora o consideram
um aliado favorável para discussões. Na última
cúpula do G20 em Cannes, a chanceler alemã, Ângela
Merkel, argumentou de consultar Napolitano para saber sobre a
situação econômica na Itália.
É uma ironia histórica a proeminência de
que Napolitano desfruta agora. Agora com 86 anos, Napolitano se
filiou ao Partido Comunista em 1945 - período em que, devido
a pressões das potências da Otan, o partido era frequentemente
retirado do governo, apesar do fato de ser na época o maior
partido da Itália. A UE e os EUA agora dependem desse funcionário
veterano stalinista para assegurar que a Itália seja cúmplice
dos ditames dos mercados financeiros.
Como presidente, Napolitano cumpre majoritariamente funções
cerimoniais. Em situações de crise, no entanto,
ele assume um papel-chave, uma vez que pode tanto dissolver o
parlamento e apontar um candidato de sua escolha para formar um
novo governo.
Alguns dias atrás, Napolitano usou a dissolução
do parlamento como uma ameaça para ganhar apoio a um governo
de transição. Ele sabe que os partidos de centro-esquerda
- os Democratas, que vieram do Partido Comunista, e vários
grupos cristãos democratas - agora temem novas eleições.
Todos eles apoiam medidas de austeridade impopulares, mas não
querem argumentar publicamente a favor de tais medidas em uma
campanha eleitoral. Além disso, eles dizem, uma campanha
eleitoral não apenas atrasaria a implementação
de medidas de austeridade.
Também foi Napolitano que levantou a possibilidade de
Mario Monti dirigir um governo tecnocrata. Na quarta-feira ele
nomeou Monti para um cargo de longa vida como senador para fortalecer
sua credibilidade política.
Monti, 68 anos, tem amplas conexões internacionais.
Ele foi presidente da agência de consultoria política
BRUEGEL, e é frequentador regular da Conferência
de Bilderberg, que reúne representantes da política,
das finanças, das forças armadas e da mídia
europeia e norte-americana para consultas regulares.
Ele estudou na Universidade de Yale nos EUA e trabalhou como
professor de economia em várias universidades italianas.
Como comissário da União Europeia, dirigiu dois
departamentos importantes de 1995 a 2004: o de mercado interno
e o de competição. Como comissário de competição
fez seu nome com ações contra a gigante empresa
americana de software Microsoft e a alemã Volkswagen.
Se Napolitano de fato consegue assegurar uma maioria parlamentar
para um governo tecnocrata dirigido por Monti ainda não
está claro. O maior partido de oposição,
os Democratas, demonstraram sua aprovação juntamente
com diversos partidos centristas menores.
O PDL (Pessoas da Liberdade) de Berlusconi, porém, está
rachado: alguns membros apoiam um governo de transição,
enquanto outros exigem novas eleições. O próprio
Berlusconi abandonou sua posição inicial para apoiar
um governo liderado por Monti - ao menos oficialmente.
Gianfranco Fini, líder dos "pós-fascistas",
chamou Monti "a pessoa certa para resolver a crise"
e rejeitou novas eleições, chamando-as de "um
tiro no escuro". Fini fundiu seu partido com o PDL em 2009,
mas desde então rompeu relações com Berlusconi.
O partido de coligação de Berlusconi, a Liga
do Norte, se pronunciou contra Monti. O líder da Liga,
Umberto Bossi, disse: "É bom estar de volta na oposição,
e estaremos de volta na oposição". Este partido
populista de direita certamente deseja tirar proveito da imensa
revolta que existe contra as medidas de austeridade. O partido
pró-direitos civis liderado pelo ex-promotor Antonio di
Pietro também convocou eleições antecipadas.
A Itália já teve más experiências
nos anos 1990 com os assim chamados governos tecnocratas. Após
a implosão do antigo sistema partidário no pântano
de escândalos de corrupção, o presidente do
Banco Central, Carlo Azeglio Ciampi, assumiu a direção
do governo vigente em 1993. Ele foi substituído por Silvio
Berlusconi, que ganhou as eleições parlamentares
para conformar seu primeiro governo.
O governo de Berlusconi afundou alguns meses depois, no entanto,
após uma oposição de massas contra os cortes
sociais implementados. Ele então foi substituído
por outro governo tecnocrata, desta vez sob a direção
de Lamberto Dini, o sucessor de Ciampi na presidência do
Banco Central. Dini permaneceu no poder por 16 meses.
Ambos os governos Ciampi e Dini podiam contar com o apoio de
toda a esquerda parlamentar, que ficou profundamente desacreditada
nesse processo. Isso gerou as condições sob as quais
Berlusconi pôde voltar ao poder em 2001, e de novo em 2008.
Um governo liderado por Monti iria muito mais longe do que
seus antecessores políticos. Sem qualquer credencial política,
tal governo implementaria os ditames dos mercados financeiros
internacionais, ao mesmo tempo que contasse com o apoio dos partidos
de centro-esquerda, dos sindicatos, e de seus aliados da pseudoesquerda.
Dada a enorme montanha de dívidas do país, cerca
de 1,9 trilhões de euro, ou 120% do PIB italiano, isso
só é possível cortando drasticamente os padrões
de vida de amplas camadas sociais, como está acontecendo
agora na Grécia.
Dada a profunda oposição popular a suas políticas,
um governo dirigido por Monti seria altamente instável.
Ele representaria um estágio transitório a um regime
de medidas abertamente ditatoriais contra a classe trabalhadora.
Em seu editorial de sexta-feira, o Financial Times, principal
jornal europeu de economia, alertou que "nomear um tecnocrata
que não foi eleito não é ideal". Tanto
na Grécia como na Itália, "seria um erro fatal
presumir que uma coligação da velha elite política,
dirigida por um tecnocrata, irá providenciar uma saída
milagrosa para problemas de raízes muito mais profundas.
[...] Ambos os governos terão de se equilibrar na corda
bamba entre sua política interna e a credibilidade nos
mercados. [...] Esses novos líderes também devem
reconhecer que nada será conquistado sem apoio popular",
conclui o Financial Times.
Mas onde a classe dominante encontrará "apoio popular"
a uma política dirigida a destruir as vidas de amplas camadas
da população? Por esse motivo, setores da burguesia
estão abertamente cogitando um movimento populista de direita
ou fascista. O maior perigo de um governo tecnocrata apoiado por
toda a "esquerda" oficial encontra-se no fato de que
ele cria um solo fértil justamente para esse tipo de movimento.