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De Lula a Bush:

Os programas assistencialistas e o avanço da miséria e da barbárie mundial

Por Vitor Hugo e R. Pichuaga
12 Marzo 2007

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O bolsa-família é um programa do Governo Federal de Lula instituído no Brasil em outubro de 2003. O programa prevê a doação de R$ 50,00 (U$ 23,80) por mês para as famílias que tenham uma renda per capita mensal de até R$ 60,00 (U$ 28,60). Além dos R$ 50,00, a família pode receber ainda R$ 15,00 (U$ 7,14) por criança/adolescente, até o limite de três filhos. Assim, uma família pode receber até R$95,00 (U$ 45,23) por mês. A exigência do programa é que as crianças freqüentem a escola e mantenham a carteira de vacinação em dia.

Entretanto, estes benefícios que aparentemente destinam-se às pessoas mais pobres, estão beneficiando indiretamente outros setores da sociedade. Um deles é o setor político: os políticos corruptos estão desviando boa parte dos recursos do programa bolsa-família. Dos 5.560 municípios brasileiros, detectaram-se irregularidades em pelo menos 121 municípios. Os recursos do programa têm sido usados para engordar os rendimentos de vereadores, como ocorreu na cidade de Nazaré, ou ainda para eleger candidatos apoiados pelo governo, como aconteceu em Guaribas e Acauã, ambas no Piauí. Os recursos públicos também são desviados para comerciantes de classe média, como foi descoberto em Teixeira de Freitas, na Bahia. Até nomes de pessoas falecidas são usados para conseguir os benefícios, como ocorreu em Nonoai e em Sananduva, no Rio Grande do Sul.

Outros se beneficiam dos programas indiretamente. É o caso dos grandes proprietários de terras do nordeste brasileiro e dos comerciantes das pequenas cidades do interior. Os primeiros se beneficiam pelo fato dos trabalhadores rurais estarem se recusando a trabalhar com registro em carteira para não perder o direito ao bolsa-família, pois o salário registrado em carteira comprovaria que sua renda é superior ao teto admitido no programa. Com isso, os patrões deixam de registrar os trabalhadores e não pagam diversos direitos trabalhistas, como o adicional de 1/3 do salário nas férias.

Assim, graças ao “bolsa-família”, os grandes proprietários rurais encontram à sua disposição uma força de trabalho ainda mais barata, isenta do custo dos encargos trabalhistas. Neste caso, é como se o Governo Federal estivesse assumindo o pagamento dos encargos trabalhistas em nome do empregador, através da “máscara” do bolsa-família. Nesse sentido, parte dos recursos públicos destinados ao programa representa uma transferência de riqueza do governo federal para os grandes proprietários de terra do nordeste, por intermédio dos trabalhadores pobres.

Por outro lado, isso também comprova que a situação de miséria absoluta em que se encontra a maioria dos trabalhadores rurais brasileiros é tamanha que faz com que eles se sujeitem a abrir mão de seus próprios direitos trabalhistas em troca de uma pequena quantia em dinheiro oferecida pelo governo federal.

Os comerciantes dos pequenos municípios do interior nordestino são outros que também se beneficiam com o programa. Sem o bolsa-família eles teriam muita dificuldade de manter o seu negócio por falta de consumidores que pudessem pagar pelas mercadorias. Há municípios nos quais os recursos do bolsa-família representam cerca de 10% da arrecadação geral. Em São Sebastião do Passe, no interior da Bahia, a arrecadação da prefeitura não passa de 3 milhões de reais por mês e os recursos do bolsa família chegam a 200 mil reais mensais. Os comerciantes destes pequenos municípios dependem tanto dos programas assistenciais do governo federal quanto os próprios beneficiários diretos.

Além de todos esses problemas e desvios internos inerentes ao bolsa-família, o programa, evidentemente, é um programa com fins políticos. O programa assistencial cria uma massa enorme de apoiadores do governo Lula: os pobres beneficiários diretos, os comerciantes, os grandes proprietários e os corruptos que desviam recursos. Nesse sentido, o governo Lula e o PT são os grandes e últimos que lucram politicamente com o programa.

Se compararmos o percentual de votos obtidos por Lula nas eleições de 2006, em cada região do país com a distribuição geográfica do programa bolsa-família, fica evidente a enorme influência do programa no resultado das eleições. No segundo turno das últimas eleições, Lula disparou na frente de Alckmin na região nordeste, alcançando 77,1% contra 22,9% de Alckmin. Ou seja, Lula teve mais de três vezes o número de votos de Alckmin. Vale lembrar que mais da metade dos beneficiários do bolsa-família está concentrada nesta região.

Na região norte, também muito beneficiada com os recursos do bolsa-família, Lula obteve o segundo melhor resultado, chegando a 67,14% dos votos válidos, contra 32,86% de Alckmin (duas vezes o resultado do candidato tucano). Nas regiões menos assistidas pelo bolsa-família, como a centro-oeste, sudeste e sul, os resultados das eleições foram muito diferentes das regiões citadas anteriormente. A diferença de Lula para Alckmin diminui extraordinariamente. Na região sul, onde o bolsa-família é pouco aplicado, Lula chegou a perder para o candidato oposicionista.

Segundo reportagem da revista Época de 24/07/06, um em cada quatro eleitores de Lula justificava seu voto citando os programas sociais. Com a aplicação do dinheiro público (R$ 8,6 bilhões = U$ 4,1 bilhões) em programas que não provocam nenhum desenvolvimento real, que não desenvolvem indústrias ou grande massa de empregos, que não resolvem a situação de miséria dos trabalhadores, Lula vai se perpetuando no governo criando uma rede imensa de dependentes agradecidos e miseráveis.

Com esses programas assistencialistas, Lula consegue o apoio dos trabalhadores mais pobres, mas, por outro lado, governa para a burguesia, para os grandes banqueiros e aplica todas as reformas contra os trabalhadores exigidas pelo grande capital internacional, sendo um dos principais aliados de Bush na América Latina, como mostram as tropas brasileiras no Haiti. Nos últimos dias, levando ao extremo o seu discurso reacionário, Lula chegou a levantar a discussão de que greves devem ser proibidas em setores essenciais.

Se considerarmos somente os beneficiários diretos do bolsa-família, que representam atualmente cerca de 11,1 milhões de famílias, e que cada família deve ter, em média, três eleitores, somente com isso, Lula totaliza uma garantia de aproximadamente 33,3 milhões de votos, o que significa 28% do total de votos válidos das últimas eleições. Assim, os programas assistenciais do governo Lula representam a legalização da compra de milhões de votos dos trabalhadores para governar exatamente contra eles.

Nesse sentido, devemos ressaltar também que o bolsa-família é apenas um dos programas assistenciais do Governo Federal. Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas do Rio de Janeiro avalia que o alcance dos diversos programas sociais brasileiros são de maior porte. Descobriu que quase metade da população (49,3%) está coberta, de alguma forma, por algum tipo de programa assistencial que vai do bolsa-família ao bolsa-educação e outros.

América Latina e os programas assistenciais

O poder que os programas assistencialistas têm em reeleger presidentes pode ser observado em toda a América Latina: a versão mexicana do bolsa-família, chamada Oportunidades, foi decisiva para a vitória apertada do candidato governista Felipe Calderón em julho de 2006. Boa parte da popularidade de Hugo Chávez entre os trabalhadores mais pobres da Venezuela vem de seu bilionário conjunto de programas assistenciais, o chamado Missiones, cujo orçamento anual chega a US$ 4,5 bilhões. Em 2004, o governo Cháves canalizou 31% dos recursos públicos para tais programas.

Da mesma forma, o presidente argentino Nestor Kirchner também se apóia nos programas sociais. O programa denominado Chefe de Lugar, segundo informações do governo, já teria assistido quase 2 milhões de desempregados através de uma rede integrada de ações que vai da garantia de renda até a reinserção no mercado de trabalho. Como Lula, essa é a verdadeira base política que pode garantir a reeleição de Kirchner ou, no mínimo, a eleição de um sucessor de sua escolha. No caso, a candidata mais cotada é a sua mulher, a senadora Cristina Kirchner.

Da mesma forma, no Chile, a presidenta Michelle Bachelet destinou 68% dos US$ 35 milhões do orçamento de 2007 para os mais pobres e repassou a maior parte da verba a programas assistenciais nas áreas de saúde, habitação e educação. Nos próximos anos, o governo chileno planeja ampliar seus programas sociais, ao utilizar parte dos US$ 10 bilhões excedentes do cobre em programas similares.

Na Bolívia, igualmente, o governo Evo Morales, em colaboração com Chávez e Cuba, implementou o programa de cirurgias oftalmológicas a chamada “Operação Milagre”, que já atendeu a mais de 800 pessoas na Bolívia. Os programas sociais bolivianos também incluem planos educacionais. Com o apoio de Cuba e da Venezuela, a Bolívia pretende ser declarada zona livre de analfabetismo em 2007, e atender, por meio da “Operação Milagre”, cerca de 100 mil pessoas em operações cirúrgicas.

Nesta sua viagem a América Latina, Bush seguiu o exemplo de Lula e Chávez. Segundo a Folha de São Paulo, Bush anunciou agora um pacote de iniciativas assistencialistas para a região. Entre estas medidas está o envio de um navio-hospital que atenderá até 85 mil pessoas de baixa renda, treinamento de professores em regiões pobres, microempréstimos e financiamento de casa própria, essa com atuação prevista também para o Brasil.

Mas seria possível resolver a grave situação dos trabalhadores da América Latina e das regiões miseráveis do planeta por meio de programas assistencialistas? Seriam estes programas capazes de pelo menos melhorar as condições de vida do conjunto dos trabalhadores? Os dados divulgados pela OIT negam essa possibilidade.

Segundo a OIT, nos últimos cinco anos, que se caracterizaram pelo forte crescimento da economia mundial, ou seja, uma situação extremamente favorável à melhoria da condição de vida dos trabalhadores, o número dos que vivem abaixo do nível de pobreza (um dólar por dia por pessoa) se manteve praticamente estável na América Latina, Caribe, Oriente Médio e África do Norte, apesar dos programas assistencialistas dos diversos governos.

A pergunta inevitável é a seguinte: o que podemos esperar do futuro próximo, que, ao que tudo indica, será um período de recessão e aumento do número de desempregados? Basta lembrar que somente nos últimos quatro meses, as grandes empresas demitiram milhares de trabalhadores em todo o mundo: a Volks de Bruxelas demitiu 3.300 trabalhadores; a Volks do ABC paulista 3.300; a Chrysler dos EUA anunciou 13.000 demissões; a Airbus européia 10.000; a Bayer 6.100; a Coca-Cola 3.500; e a Multibrás, no Brasil, 400. Dia a dia, novas demissões são anunciadas. O que podem esperar os trabalhadores e os desempregados para o próximo período?

A resposta a essa inquietante pergunta só pode ser uma: apesar dos múltiplos programas assistenciais, o que o capitalismo oferece à humanidade é somente a destruição massiva e sempre crescente das forças produtivas da humanidade. Planos bárbaros de produção de biocombustível, como o planejado agora por Bush e Lula, ameaçam criar desertos sem água e sem alimentos básicos para a maior parte da população. Guerras devastam regiões inteiras como agora no Líbano e no Iraque, favelas se espalham por todo o mundo, assim como traficantes e policiais matam civis dentro da batalha dos tóxicos no interior dos próprios centros urbanos. Mas, sobretudo, milhões e milhões de trabalhadores são jogados diariamente no desemprego, sem qualquer perspectiva futura de vida para si próprios e para os seus filhos.

Apesar dos programas assistenciais de Lula, o Brasil tem uma das maiores taxas de desemprego do mundo (9,3%), comparável à região da África subsaariana (9,8%), ficando atrás apenas Oriente Médio e do Norte da África (12,2% no final de 2006). Os programas assistencialistas de Lula, assim como aqueles de Chávez, Kirchner e os diversos programas da ONU, tão elogiados pelos organismos internacionais, são incapazes de resolver minimamente os verdadeiros problemas que afligem a maioria dos trabalhadores. Os trabalhadores querem nada mais do que uma oportunidade de trabalhar e produzir dignamente a sua vida, eles querem apenas o direito a um emprego e a um salário digno, um emprego e um salário que permita apenas moradia, alimentação, lazer e vida saudável.

Essas reivindicações mínimas aparecem, porém, como impossíveis no capitalismo em decomposição. Lula, Chávez, Kirchner, Bush e a extrema minoria que controla o grande capital internacional, do interior de suas limusines e do alto de seus aviões particulares, ao invés de resolver os problemas reais da humanidade, nadando em luxo, desperdício e irracionalidade, preferem, sem piedade, continuar preparando a barbárie do planeta terra, e procuram continuar a enganar os trabalhadores com as suas pequenas esmolas e seus hipócritas programas assistencialistas.