O bolsa-família é um programa do Governo Federal
de Lula instituído no Brasil em outubro de 2003. O programa
prevê a doação de R$ 50,00 (U$ 23,80) por
mês para as famílias que tenham uma renda per capita
mensal de até R$ 60,00 (U$ 28,60). Além dos R$ 50,00,
a família pode receber ainda R$ 15,00 (U$ 7,14) por criança/adolescente,
até o limite de três filhos. Assim, uma família
pode receber até R$95,00 (U$ 45,23) por mês. A exigência
do programa é que as crianças freqüentem a
escola e mantenham a carteira de vacinação em dia.
Entretanto, estes benefícios que aparentemente destinam-se
às pessoas mais pobres, estão beneficiando indiretamente
outros setores da sociedade. Um deles é o setor político:
os políticos corruptos estão desviando boa parte
dos recursos do programa bolsa-família. Dos 5.560 municípios
brasileiros, detectaram-se irregularidades em pelo menos 121 municípios.
Os recursos do programa têm sido usados para engordar os
rendimentos de vereadores, como ocorreu na cidade de Nazaré,
ou ainda para eleger candidatos apoiados pelo governo, como aconteceu
em Guaribas e Acauã, ambas no Piauí. Os recursos
públicos também são desviados para comerciantes
de classe média, como foi descoberto em Teixeira de Freitas,
na Bahia. Até nomes de pessoas falecidas são usados
para conseguir os benefícios, como ocorreu em Nonoai e
em Sananduva, no Rio Grande do Sul.
Outros se beneficiam dos programas indiretamente. É
o caso dos grandes proprietários de terras do nordeste
brasileiro e dos comerciantes das pequenas cidades do interior.
Os primeiros se beneficiam pelo fato dos trabalhadores rurais
estarem se recusando a trabalhar com registro em carteira para
não perder o direito ao bolsa-família, pois o salário
registrado em carteira comprovaria que sua renda é superior
ao teto admitido no programa. Com isso, os patrões deixam
de registrar os trabalhadores e não pagam diversos direitos
trabalhistas, como o adicional de 1/3 do salário nas férias.
Assim, graças ao bolsa-família, os
grandes proprietários rurais encontram à sua disposição
uma força de trabalho ainda mais barata, isenta do custo
dos encargos trabalhistas. Neste caso, é como se o Governo
Federal estivesse assumindo o pagamento dos encargos trabalhistas
em nome do empregador, através da máscara
do bolsa-família. Nesse sentido, parte dos recursos públicos
destinados ao programa representa uma transferência de riqueza
do governo federal para os grandes proprietários de terra
do nordeste, por intermédio dos trabalhadores pobres.
Por outro lado, isso também comprova que a situação
de miséria absoluta em que se encontra a maioria dos trabalhadores
rurais brasileiros é tamanha que faz com que eles se sujeitem
a abrir mão de seus próprios direitos trabalhistas
em troca de uma pequena quantia em dinheiro oferecida pelo governo
federal.
Os comerciantes dos pequenos municípios do interior
nordestino são outros que também se beneficiam com
o programa. Sem o bolsa-família eles teriam muita dificuldade
de manter o seu negócio por falta de consumidores que pudessem
pagar pelas mercadorias. Há municípios nos quais
os recursos do bolsa-família representam cerca de 10% da
arrecadação geral. Em São Sebastião
do Passe, no interior da Bahia, a arrecadação da
prefeitura não passa de 3 milhões de reais por mês
e os recursos do bolsa família chegam a 200 mil reais mensais.
Os comerciantes destes pequenos municípios dependem tanto
dos programas assistenciais do governo federal quanto os próprios
beneficiários diretos.
Além de todos esses problemas e desvios internos inerentes
ao bolsa-família, o programa, evidentemente, é um
programa com fins políticos. O programa assistencial cria
uma massa enorme de apoiadores do governo Lula: os pobres beneficiários
diretos, os comerciantes, os grandes proprietários e os
corruptos que desviam recursos. Nesse sentido, o governo Lula
e o PT são os grandes e últimos que lucram politicamente
com o programa.
Se compararmos o percentual de votos obtidos por Lula nas eleições
de 2006, em cada região do país com a distribuição
geográfica do programa bolsa-família, fica evidente
a enorme influência do programa no resultado das eleições.
No segundo turno das últimas eleições, Lula
disparou na frente de Alckmin na região nordeste, alcançando
77,1% contra 22,9% de Alckmin. Ou seja, Lula teve mais de três
vezes o número de votos de Alckmin. Vale lembrar que mais
da metade dos beneficiários do bolsa-família está
concentrada nesta região.
Na região norte, também muito beneficiada com
os recursos do bolsa-família, Lula obteve o segundo melhor
resultado, chegando a 67,14% dos votos válidos, contra
32,86% de Alckmin (duas vezes o resultado do candidato tucano).
Nas regiões menos assistidas pelo bolsa-família,
como a centro-oeste, sudeste e sul, os resultados das eleições
foram muito diferentes das regiões citadas anteriormente.
A diferença de Lula para Alckmin diminui extraordinariamente.
Na região sul, onde o bolsa-família é pouco
aplicado, Lula chegou a perder para o candidato oposicionista.
Segundo reportagem da revista Época de 24/07/06, um
em cada quatro eleitores de Lula justificava seu voto citando
os programas sociais. Com a aplicação do dinheiro
público (R$ 8,6 bilhões = U$ 4,1 bilhões)
em programas que não provocam nenhum desenvolvimento real,
que não desenvolvem indústrias ou grande massa de
empregos, que não resolvem a situação de
miséria dos trabalhadores, Lula vai se perpetuando no governo
criando uma rede imensa de dependentes agradecidos e miseráveis.
Com esses programas assistencialistas, Lula consegue o apoio
dos trabalhadores mais pobres, mas, por outro lado, governa para
a burguesia, para os grandes banqueiros e aplica todas as reformas
contra os trabalhadores exigidas pelo grande capital internacional,
sendo um dos principais aliados de Bush na América Latina,
como mostram as tropas brasileiras no Haiti. Nos últimos
dias, levando ao extremo o seu discurso reacionário, Lula
chegou a levantar a discussão de que greves devem ser proibidas
em setores essenciais.
Se considerarmos somente os beneficiários diretos do
bolsa-família, que representam atualmente cerca de 11,1
milhões de famílias, e que cada família deve
ter, em média, três eleitores, somente com isso,
Lula totaliza uma garantia de aproximadamente 33,3 milhões
de votos, o que significa 28% do total de votos válidos
das últimas eleições. Assim, os programas
assistenciais do governo Lula representam a legalização
da compra de milhões de votos dos trabalhadores para governar
exatamente contra eles.
Nesse sentido, devemos ressaltar também que o bolsa-família
é apenas um dos programas assistenciais do Governo Federal.
Uma pesquisa da Fundação Getúlio Vargas do
Rio de Janeiro avalia que o alcance dos diversos programas sociais
brasileiros são de maior porte. Descobriu que quase metade
da população (49,3%) está coberta, de alguma
forma, por algum tipo de programa assistencial que vai do bolsa-família
ao bolsa-educação e outros.
América Latina e os programas assistenciais
O poder que os programas assistencialistas têm em reeleger
presidentes pode ser observado em toda a América Latina:
a versão mexicana do bolsa-família, chamada Oportunidades,
foi decisiva para a vitória apertada do candidato governista
Felipe Calderón em julho de 2006. Boa parte da popularidade
de Hugo Chávez entre os trabalhadores mais pobres da Venezuela
vem de seu bilionário conjunto de programas assistenciais,
o chamado Missiones, cujo orçamento anual chega
a US$ 4,5 bilhões. Em 2004, o governo Cháves canalizou
31% dos recursos públicos para tais programas.
Da mesma forma, o presidente argentino Nestor Kirchner também
se apóia nos programas sociais. O programa denominado Chefe
de Lugar, segundo informações do governo, já
teria assistido quase 2 milhões de desempregados através
de uma rede integrada de ações que vai da garantia
de renda até a reinserção no mercado de trabalho.
Como Lula, essa é a verdadeira base política que
pode garantir a reeleição de Kirchner ou, no mínimo,
a eleição de um sucessor de sua escolha. No caso,
a candidata mais cotada é a sua mulher, a senadora Cristina
Kirchner.
Da mesma forma, no Chile, a presidenta Michelle Bachelet destinou
68% dos US$ 35 milhões do orçamento de 2007 para
os mais pobres e repassou a maior parte da verba a programas assistenciais
nas áreas de saúde, habitação e educação.
Nos próximos anos, o governo chileno planeja ampliar seus
programas sociais, ao utilizar parte dos US$ 10 bilhões
excedentes do cobre em programas similares.
Na Bolívia, igualmente, o governo Evo Morales, em colaboração
com Chávez e Cuba, implementou o programa de cirurgias
oftalmológicas a chamada Operação Milagre,
que já atendeu a mais de 800 pessoas na Bolívia.
Os programas sociais bolivianos também incluem planos educacionais.
Com o apoio de Cuba e da Venezuela, a Bolívia pretende
ser declarada zona livre de analfabetismo em 2007, e atender,
por meio da Operação Milagre, cerca
de 100 mil pessoas em operações cirúrgicas.
Nesta sua viagem a América Latina, Bush seguiu o exemplo
de Lula e Chávez. Segundo a Folha de São Paulo,
Bush anunciou agora um pacote de iniciativas assistencialistas
para a região. Entre estas medidas está o envio
de um navio-hospital que atenderá até 85 mil pessoas
de baixa renda, treinamento de professores em regiões pobres,
microempréstimos e financiamento de casa própria,
essa com atuação prevista também para o Brasil.
Mas seria possível resolver a grave situação
dos trabalhadores da América Latina e das regiões
miseráveis do planeta por meio de programas assistencialistas?
Seriam estes programas capazes de pelo menos melhorar as condições
de vida do conjunto dos trabalhadores? Os dados divulgados pela
OIT negam essa possibilidade.
Segundo a OIT, nos últimos cinco anos, que se caracterizaram
pelo forte crescimento da economia mundial, ou seja, uma situação
extremamente favorável à melhoria da condição
de vida dos trabalhadores, o número dos que vivem abaixo
do nível de pobreza (um dólar por dia por pessoa)
se manteve praticamente estável na América Latina,
Caribe, Oriente Médio e África do Norte, apesar
dos programas assistencialistas dos diversos governos.
A pergunta inevitável é a seguinte: o que podemos
esperar do futuro próximo, que, ao que tudo indica, será
um período de recessão e aumento do número
de desempregados? Basta lembrar que somente nos últimos
quatro meses, as grandes empresas demitiram milhares de trabalhadores
em todo o mundo: a Volks de Bruxelas demitiu 3.300 trabalhadores;
a Volks do ABC paulista 3.300; a Chrysler dos EUA anunciou 13.000
demissões; a Airbus européia 10.000; a Bayer 6.100;
a Coca-Cola 3.500; e a Multibrás, no Brasil, 400. Dia a
dia, novas demissões são anunciadas. O que podem
esperar os trabalhadores e os desempregados para o próximo
período?
A resposta a essa inquietante pergunta só pode ser uma:
apesar dos múltiplos programas assistenciais, o que o capitalismo
oferece à humanidade é somente a destruição
massiva e sempre crescente das forças produtivas da humanidade.
Planos bárbaros de produção de biocombustível,
como o planejado agora por Bush e Lula, ameaçam criar desertos
sem água e sem alimentos básicos para a maior parte
da população. Guerras devastam regiões inteiras
como agora no Líbano e no Iraque, favelas se espalham por
todo o mundo, assim como traficantes e policiais matam civis dentro
da batalha dos tóxicos no interior dos próprios
centros urbanos. Mas, sobretudo, milhões e milhões
de trabalhadores são jogados diariamente no desemprego,
sem qualquer perspectiva futura de vida para si próprios
e para os seus filhos.
Apesar dos programas assistenciais de Lula, o Brasil tem uma
das maiores taxas de desemprego do mundo (9,3%), comparável
à região da África subsaariana (9,8%), ficando
atrás apenas Oriente Médio e do Norte da África
(12,2% no final de 2006). Os programas assistencialistas de Lula,
assim como aqueles de Chávez, Kirchner e os diversos programas
da ONU, tão elogiados pelos organismos internacionais,
são incapazes de resolver minimamente os verdadeiros problemas
que afligem a maioria dos trabalhadores. Os trabalhadores querem
nada mais do que uma oportunidade de trabalhar e produzir dignamente
a sua vida, eles querem apenas o direito a um emprego e a um salário
digno, um emprego e um salário que permita apenas moradia,
alimentação, lazer e vida saudável.
Essas reivindicações mínimas aparecem,
porém, como impossíveis no capitalismo em decomposição.
Lula, Chávez, Kirchner, Bush e a extrema minoria que controla
o grande capital internacional, do interior de suas limusines
e do alto de seus aviões particulares, ao invés
de resolver os problemas reais da humanidade, nadando em luxo,
desperdício e irracionalidade, preferem, sem piedade, continuar
preparando a barbárie do planeta terra, e procuram continuar
a enganar os trabalhadores com as suas pequenas esmolas e seus
hipócritas programas assistencialistas.