Passado o susto (não a tristeza) pela morte do Redson, quero compartilhar com os leitores do Factor Zero um momento bem pouco conhecido da carreira desse ícone do punk nacional. Em 1981, Redson gravou uma demo tape com quatro músicas. Fez tudo: baixo, bateria, guitarra, voz... e gravou nos fundos de sua casa, no cômodo onde o Cólera ensaiava (e outras bandas também, como o Olho Seco e o Anarcoólatras).
Redson chamou a experiência de A.C.X.O. e, apesar de ser uma gravação de qualidade bem precária, mostra a sua genialidade como compositor. Sempre gostei muito dessas faixas que mostram o Redson numa fase mais revoltada, antes de sua militância pacifista. Não tenho nada contra esse outro lado, mas acho que ele era mais criativo quando não era tão panfletário.
Musicalmente, as músicas do A.C.X.O. têm um pouco de Cólera (claro, ele também compôs 98% do repertório da banda), tanto que duas entraram para o repertório do grupo e estão no primeiro LP (o tosco, mas ótimo, Tente Mudar o Amanhã). Uma foi Anjos do Beco e a outra 11 e 6, esta última com novos acordes e mudanças na letra (passou a se chamar Amnésia).
O registro vale como curiosidade para os fãs e resgata essa fase mais "despojada" do Redson, como mostram esses versos de da faixa Contato: "Tou revoltado com o barulho do motor / Tou revoltado com a fumaça do cigarro / Tou revoltado com a falta de recurso /E com a deturpação do meu pensamento".
A título de curiosidade, Redson teve outro projeto paralelo ao Cólera, lá por 83 ou 84, na fase em que os punks não podiam tocar em nenhum lugar de São Paulo, chamado Rosa Luxemburgo, uma banda "new wave", da qual, infelizmente, não tenho nenhum registro.
Descanse em paz, guerreiro!
Obs: este post foi atualizado. A memória me traiu! Como bem lembrado pelo Risto nos comentários, o nome correto do projeto é A.C.X.O. e não "A.X.O."... neurônios, quem precisa deles???
Clique aqui para baixar a demo do A.C.X.O.
5 de out de 2011
1 de out de 2011
Punks can take it
Navegando pela web encontro essa preciosidade: o documentário Punk Can Take It, que mostra o UK Subs em sua melhor fase. Me senti na obrigação de compartilhar com os leitores do blog. Me lembro que asisiti esse filme no Carbono 14, lá por 81 ou 82, não sei bem. Diversão garantida!
28 de set de 2011
Luto
Acabo de receber a notícia de que o Redson, vocalista do Cólera, morreu. Grande amigo dos bons tempos, um verdadeiro guerreiro, com quem tive a honra de conviver. Descanse em paz, amigo, pois foi por ela que você lutou a vida inteira!
4 de abr de 2011
Três anos e o pulso ainda pulsa
Pois é... hoje este blog completa três anos no ar. Não preparei nada especial para comemorar, pois não vejo nenhuma importância nessas coisa de datas. Nem do meu próprio aniversário eu me lembraria se as pessoas com as quais convivo não o fizessem. Mas creio que devo algo a meus leitores (sei que não são muitos), pois fiquei um ano sem postar nada. O que ocorreu é que pensei seriamente em abandonar de vez o Factor Zero. Um dos motivos foi justamente a falta de motivação. Adoro o assunto sobre o que escrevo e fico muito desapontado com os poucos comentários que são feitos. Principalmente porque sei quantos downloads são realizados e quantas visitas o blog recebe. Me entristece as pessoas estarem interessadas apenas em baixar discos.
Mas, por outro lado, os poucos comentários feitos me dão sempre um novo ânimo e a esperança de que há pessoas que realmente lêem o que escrevo. O fato de ter ficado um ano sem postar e o blog ter mantido uma boa média de visitas também não me deixou abandonar de vez o FZ.
Agradeço aos leitores que me cobraram e a todos que comentaram alguma postagem. A vocês dedico estes três anos de Factor Zero e espero estarmos aqui no próximo ano para um quarto aniversário.
FACTOR ZERO'S NOT DEAD
Mas, por outro lado, os poucos comentários feitos me dão sempre um novo ânimo e a esperança de que há pessoas que realmente lêem o que escrevo. O fato de ter ficado um ano sem postar e o blog ter mantido uma boa média de visitas também não me deixou abandonar de vez o FZ.
Agradeço aos leitores que me cobraram e a todos que comentaram alguma postagem. A vocês dedico estes três anos de Factor Zero e espero estarmos aqui no próximo ano para um quarto aniversário.
FACTOR ZERO'S NOT DEAD
29 de mar de 2011
O Warsaw Pakt original
Não, este não é um texto sobre a primeira encarnação do Joy Division (que eu gosto muito), mas sim sobre o Warsaw Pakt que fez Ian Curtis e seus amigos mudarem o nome do grupo, primeiro para Warsaw e, depois, Joy Division. História bem conhecida aliás. O que não é muito comentado é a (curtíssima) trajetória do Warsaw Pakt original.
Formado em Londres no início de 77, o grupo não chegou a um ano de duração, mas escreveu seu capítulo na história do punk e do rock. E não foi só por causa do lance do nome. O único LP que lançaram, Needle Time, foi o primeiro disco de rock a ser gravado em um processo revolucionário para a época. Tudo foi feito em 21 horas, desde a gravação até a bolacha chegar às lojas. Não tenho muita certeza, mas o fato até entrou para o Guiness Book. Na verdade, eles foram cobaias da Island Records para uma experiência de gravar diretamente para o acetato, sem qualquer tipo de mixagem ou remasterização (se você não conhece o processo de fabricação de um vinil, então veja este vídeo: http://youtu.be/xUGRRUecBik). Acredito que tratou-se de um teste para lançar discos ao vivo 24 horas depois do show. Não sei o que virou a experiência depois, mas o Warsaw Pakt não foi lá muito beneficiado. Apesar de o LP ter vendido cinco mil cópias em uma semana, a Island não quis fazer outra prensagem e nem contratar a banda, além de destruir a fita master da gravação. Sem explicar nada para o grupo. Isso fez com que o disco se tornasse uma raridade muito rapidamente. No Brasil, vi uma cópia apenas (que, infelizmente não era minha). Por essas e outras que tenho certeza que a tal indústria fonográfica tem mesmo é que se foder. Usaram e abusaram do poder para lançar um monte de merda e acabar com boas bandas.
A história dos caras começou mesmo em 1975, quando o guitarrista Andy Colquhoun se juntou ao The Rockets, um grupo do circuito pub rock de Londres que tocava mais covers do que músicas próprias. A banda chegou a ficar conhecida no underground londrino, mas não resistiu às constantes mudanças na formação. Mas as coisas não iam bem para eles em 77 e Andy, juntamete com o vocalista Jimmy Coul e o guitarrista John Manly, resolveu deixar o grupo e formar o Warsaw Pakt. O baixista era Chris Underhill e no início o batera foi Wolf Marlander, mas este ficou por pouco tempo e foi substituído por Lucas Fox. Esta foi a formação que fez a história do Warsaw Pakt. Depois da experiência do "LP mais rápido do mundo", eles ainda lançaram um compacto com as faixas Safe and warm e Sick'n'tired e fizeram vários shows, inclusive abrindo para o The Clash e o Damned. Mas em março de 1978, o grupo se dissolveu. Em 1979, ex-integrantes do grupo juntaram forças e lançaram uma fita K7 com gravações raras, chamada See you in court.
Warsaw Facts
- Stewart Copeland tocou em alguns shows com o The Rockets e quando o Warsaw Pakt estava começando convidou Andy Colquhoun para conhecer o vocalista de uma banda que ele estava formando. Andy teria se recusado a juntar-se ao grupo. O vocalista era um tal Sting e a banda, o The Police.
- Antes de tocar com o Warsaw Pakt, Lucas Fox foi batera da primeira formação do Motörhead. Nos anos 80, foi baterista do Sisterhood, banda criada por Andrew Eldritch após ter saído do Sisters of Mercy.
- Depois do fim do WP, Andy Colquhoun integrou o Tanz Der Youth, grupo pos-punk de Brian James, o guitarrista dos dois primeiros LPs do Damned. Andy tocou ainda com o Pink Fairies e na banda do ex-MC5 Wayne Kramer.
- O vocalista Jimmy Coul se juntou ao obscuro The Argonauts e depois se retirou do cenário musical. Dos demais ex-integrantes do grupo não consegui saber mais nada.
Warsaw Pakt - Needle Time LP
Warsaw Pakt - See You In Court K7
18 de mar de 2011
THE OUTCASTS - Os adolescentes rebeldes do Ulster
Depois de uma overdose de Canadá vamos atravessar o Atlântico e aportar mais uma vez na Irlanda do Norte, em Belfast. No post sobre a Good Vibrations Records eu prometi contar a história de três bandas: Rudi, Undertones e Outcasts. Então, como 2011 é ano de cumprir promessas (já que 2012 está chegando), vamos lá com o The Outcasts, grupo formado em 1977 pelos irmãos Greg (baixo e voz), Martin (guitarra) e Colin (bateria) Cowan, aos quais se juntou o guitarrista Colin "Getty" Getgood. Bem no comecinho, tinham um vocalista chamado Blair Hamilton, mas logo este deixou o grupo, muito provavelmente por não acreditar que aquilo pudesse dar certo.
Desde as primeiras apresentações o Outcasts ganhou fama de gerar confusão, tanto que o nome deriva deste fato, pois teriam sido expulsos de vários clubes nas primeira tentativas de tocar ao vivo. Isso tem a ver também com serem todos moradores da violenta periferia de Belfast e, em consequência, também não muito pacíficos. Em uma entrevista ao fanzine Ralf Real Shock, em 2004, Greg afirmou que "no início, quando tocávamos em clubes pequenos, era nós contra o público. Se alguém viesse pra cima, logo Colin e Martin podiam revidar com as guitarras. Mas depois fomos conquistando nosso próprio público que nos defendia se estourasse alguma confusão". Só por aí dá pra sentir como era o clima nos "gigs" de Belfast na época.
Mesmo assim, aos poucos, eles foram fazendo fama e, depois de gravarem uma demo tape, fecharam com a IT Records (selo independente já extinto, com sede na cidade vizinha de Portadown) para lançar o primeiro single. O resultado é uma gema rara do punk rock com três faixas: You're a disease, Don't want to be no adult e Frustration. Primitivo e básico. A gravação de You're a disease foi registrada e incluída no documentário Shellshock Rock (John T. Davies), registro histórico da cena punk de Belfast entre 77 e 78 (procure no YouTube que tem). Para os dias atuais, o single (e todos os primeiros trabalhos deles) pode até soar um pouco lento e, principalmente, limitado tecnicamente. No entanto, é impossível não notar que ali destilava-se a fúria adolescente e uma certa angústia de viver em um dos lugares mais perigosos do mundo. Uma cópia do compacto foi parar nas mãos do DJ John Peel (RIP), da BBC de Londres, que colocou Frustration várias vezes o ar. Isso deu uma força enorme pros caras que construíram uma base de seguidores (os tais que os defendiam caso rolasse tretas nos shows) . Não demorou assinaram com a então nascente Good Vibrations.
O trabalho de estreia na casa nova foi o single Justa nother teenage rebel / Love is for sops, que foi muito bem e ganhou até uma segunda prensagem poucas semanas depois de lançado. Na sequência, aumentaram ainda mais a fama de bad boys com a faixa Cops are comin', incluída em um single duplo (dois compactos de 7") chamado Battle of bands que tinha ainda faixas dos grupos Rudi, Idiots e Spider. Ao vivo, sempre que entoavam o refrão "Better start runnin' cuz the cops are comin", o pogo rolava solto e, não raro, a pancadaria também.
O primeiro LP seria lançado apenas em 1979, sob o título Self conscious over you. O disco inclui algumas surpresas como teclados e saxofone em algumas faixas, entretanto, nada comercial (pelo menos para a época, já que hoje, o punk se tornou comercial). Comprei este LP em 1980 e confesso que não gostei muito na primeira audição. Parece um tanto lento. Mas aos poucos fui me acostumando e depois este se tornou um dos discos que mais rolava no meu velho Gradiente. Outra coisa que ficou clara no LP, era a limitação de Colin como batera. Só mesmo o fato de ele ser o verdadeiro fundador do grupo o mantinha na função. E também a qualidade da gravação (mais exatamente a mixagem) deixava muito a desejar. Infelizmente isto parecia ser o karma do Outcasts, já que o próprio Greg Cowan reconheceria na citada entrevista que eles jamais conseguiram gravar algo realmente com boa qualidade técnica, mesmo nos álbuns subsequentes, quando tinham mais grana e experiência. Concordo em termos. Em Self conscious... pode faltar produção, mas sobra coração. E o verdadeiro punk tem que ter a superação da limitação técnica pelo sentimento, pela raiva ou pela angústia. Por isso, Self conscious... ganha o ouvinte aos poucos.
The Outcasts em 1980, com cinco integrantes |
Na sequência, ainda em 1979, gravaram mais uma faixa (Cyborg) para uma coletânea em single, chamada Room to move, que tinha também sons do Shock Treatment, The Vipers e Big Self. No ano seguinte, Greg sofreu um acidente de moto e ficou impossibilitado de tocar baixo por um bom tempo. Assim, tornou-se apenas vocalista e Gord Blair (ex-Rudi) assumiu o instrumento nos shows. Outra mudança foi a entrada de um segundo batera, para segurar mais o som, já que Colin realmente não conseguira evoluir musicalmente como os demais integrantes. Então, com essa formação gravaram o ótimo single Magnum Force / Gangland Warfare, no qual dá para sentir uma rande mudança no estilo. E a capa desse disco tem algo macabro. Eles tiraram a foto em um cemitéro. No clique, Colin Cowan aparece abaixo da inscrição "Sacred to the memory of". Não muito tempo depois de o disco ser lançado, o cara morreu em um acidente de carro. Macabro.
Mas antes dessa tragédia, eles fundaram seu próprio selo, a GBH Records. Em meados de 1981, lançaram o primeiro trampo pelo selo exclusivo, um EP com as faixas Programme Love, Beating and screaming pt. 1 and 2 e Mania), que representou uma grande evolução. Na sequência, lançariam o single Angel Face / Gangland Warfare, o último trabalho de Colin Cowan antes de morrer. O baterista nem chegou a ver como ficou o disco.
O golpe foi duro, afinal Greg e Martin eram irmãos dele e a ideia de começar a banda, bem como o nome do grupo, haviam saído de sua cabeça. "Quando eu penso no Outcasts, sempre lembro da morte do Colin. Ele era um baterista terrível, mas era nosso líder e o coração da banda. Apesar de termos alcançado mais sucesso depois que ele foi morto, muito da graça morreu com ele", afirmou Greg na entrevista de 2004.
Sim, depois da morte de Greg, o Outcasts conseguiu relativo sucesso. A primeira gravação sem o baterista (a função ficou apenas para Ray Falls) foi o álbum Blood and Thunder, o segundo da banda, lançado em novembro de '82. O disco ficou por oito semanas entre os mais vendidos no Reino Unido, chegando a alacançar a vigésima posição. De fato, é um grande disco. Não tão punk e com o mesmo "sentimento de rebeldia" do primeiro, mas um belo trabalho instrumental. É possível sentir um clima mais "dark" no som e alguma pitada de psicodelia em faixas como Beating & Screaming ou The Winter.
No ano seguinte, eles acentuaram a pegada psicodélica, usando sintetizadores, efeitos e bateria eletrônica (não confundir com batida eletrônica pré-programada) no EP Nowhere left to run, com três faixas. Na minha opinião este disco representa o auge musical deles, mas já bem distante do punk rústico dos primeiros dias, embora sem cair no comercialismo barato. Era o que eles queriam fazer mesmo, pois evoluíram musicalmente. É desse EP a faixa Ruby, com seu estilo meio rockabilly, meio punk 77, uma das minhas preferidas de todos os tempos.
Nessa época, o Outcasts passou a ser considerado uma banda grande, fazendo shows sempre lotados e com bom desempenho em termos de vendas para uma banda independente. No início de 1984, lançaram um mini LP, Seven deadly sins. A faixa título e Swamp Fever, são dois ótimos rockabillies. Five Years podia ser uma música de David Bowie nos anos 70 e Waiting for the rain foi produzida para ser um hit, mas não pegou e ainda decepcionou boa parte do público da banda.
No ano seguinte, lançaram o que seria o último registro em vinil do grupo: um single com uma versão matadora de 1969 (Stooges) e Psychotic Shakedown, que como sugere o nome trata-se de um psychobilly. Mas já sem qualquer tesão em continuar sendo o The Outcasts, resolveram dar um fim à banda. Descanse em paz.
Conheça melhor o som do The Outcasts:
Self Conscious Over You (LP + dois primeiros singles)
Blood and Thunder (LP)
Seven Deadly Sins (mini LP)
Punk Singles (coletânea com todos os singles, part 1)
Punk Singles (coletânea com todos os singles, part 2)
10 de mar de 2011
De volta, no mesmo ponto
Não o Factor Zero não morreu. Está de volta exatamente de onde parou. Na sequência da saga do punk canadense é hora de voltar a Vancouver que, como já disse, desenvolveu também uma rica cena punk (e alternativa) em 77. E a primeira banda a fazer um som punk por lá foi o The Furies, embora um outro grupo, formado só por minas, tenha surgido quase ao mesmo tempo: o The Dishrags (na verdade, elas eram de Victoria, que fica ao lado de Vancouver). Ambos tiveram uma vida bem curta, mas não há banda que tenha surgido depois, na época, claro, que não os cite como referência.
THE FURIES - O Furies começou no início de 77 e acabou no mesmo ano, ou seja, não chegaram a completar um ano de existência. A primeira apresentação deles foi em maio e a última, em setembro. Mas o fato de terem sido os pioneiros do punk em Vancouver chamou a atenção da mídia local. Nos poucos meses em que estiveram em atividade apareceram em jornais, revistas e até em um programa de televisão, o que contribuiu para que outros jovens resolvessem formar suas bandas. Certamente, se não tivessem existido, o punk floresceria em Vancouver da mesma maneira - era inevitável, lá com em todas as partes do mundo - mas eles deram o ponta pé inicial e merecem ser lembrados por isso.
A ideia de montar o Furies foi do guitarrista e vocalista Chris Arnett que convidou os amigos de faculdade Malcom Hasman (baixo e vocal) e Jim Albert (bateria) para a empreitada. Mesmo com tão pouco tempo, o grupo ainda teve a substituição de Malcom por John Warner, um mês antes de acabar. Embora não tenham gravado nenhum disco, entraram em estúdio e registraram duas músicas em uma demo tape. Apenas uma delas saiu em uma coletânea chamada Last Call, lançada em 1991.
Para variar, em 2007, o grupo se reuniu para um "remember", com Chris, John e o baterista Taylor Little. Entusiasmados com a resposta do público resolveram gravar dez músicas dos bons tempos e ainda compuseram mais duas. O CD está rolando por aí (não tenho).
A título de curiosidade, após o fim da banda John e Jim mudaram-se para a Inglaterra e Jim tornou-se baterista do PIL (sim, a banda de John Lydon, vulgo Johnny Rotten), além de ter tocado no Human Condition, junto com Jah Wobble (também do PIL), e no The Pack, com Kirk Brandon (futuro Theatre of Hate) e Rab Fae Beith (The Wall). John Warner também era integrante da primeira formação do The Pack. Tem história!
THE DISHRAGS - Se a Inglaterra tinha as Slits e Toronto o The Curse, Vancouver tinha as Dishrags como pioneiras da cena punk. Nascido praticamente junto com o Furies (abriu o primeiro show deles, com o nome Dee Dee and The Dishrags, em homenagem ao guitarrista do Ramones) era um trio de garotas com idade entre 15 e 16 anos! Uma possível explicação para que existisse um grupo só de mulheres tão cedo por lá é que a vocalista e guitarrista Jade Blade, fundadora do Dishrags, era prima de Chris Arnett. A primeira formação tinha ainda a baixista Dale Powers e a baterista Scout. No início, faziam um som bem básico, primitivo mesmo, pois mal sabiam dominar seus instrumentos. Mas conseguiram evoluir e superaram musicalmente várias bandas da época. Em 78, abriram o show do Clash em Vancouver.
Em termos de gravação, participaram da histórica coletânea Vancouver Complication e lançaram dois compactos. O primeiro, de 1979, tem três faixas: Past is Past, Love is Shit e Tormented. O incrível é que o som tem uma pegada hardcore! O disco foi gravado em Seattle (que não é distante de Vancouver) no Triangle Studios, o mesmo em que mais tarde o Nirvana registraria suas primeiras canções.
Mas pouco depois de sair a bolachinha, Dale Powers deixou o grupo. Em seu lugar entrou a baixista Kim Henriksen e o grupo ainda ganhou uma guitarrista extra: Sue MacGillivray. As duas novas integrantes eram de um outro grupo só de minas, chamado Devices, que havia acabado. Agora um quarteto, elas foram para a Inglaterra gravar o segundo single, pela Stiff Records e distribuído pela RCA inglesa, já em 1980. O compacto tem quatro músicas e chama-se Death in the Family, que além da faixa-título trouxe All the Pain e Beware of the Dog. Bem diferente do primeiro, mais lento e mais apurado, mas sem concessões comerciais. No entanto, discussões internas levaram ao fim da banda, provavelmente ainda durante as gravações do segundo disco, que chegou às lojas já com a banda fora de atividade. Em 1997, foi lançado um CD com tudo o que elas gravaram (incluindo faixas de demo tapes e ao vivo), chamado Love/Hate, que ajudou a resgatar esse pedaço precioso da história não contada do punk. Em tempo: dishrag pode ser traduzido como "puta rampeira", ou algo parecido...
ACTIVE DOG - Mais um grupo de vida curta , porém, que lançou sementes fortíssimas na cena punk de Vancouver. A história deles começa em 1978 quando três integrantes do The Monitors (também conhecido como The Shits) - o tecladista Dash Ham, o guitarrista John "Buck Cherry" Armstrong e o vocalista Bill Shirt - saíram da pequena Surrey-White Rock para a vizinha Vancouver. Lá se uniram a Terry Bowes (guitarra), Ross Carpenter (baixo) e Robert Bruce e adotaram o nome Active Dog. Com essa formação tocaram por mais ou menos um ano e meio e ganharam respeito e fama na cena underground. Em 1979, pouco antes de entrarem em estúdio para fazerem suas primeiras gravações, Dash e Bruce deixaram a banda para formar o Pointed Sticks (no qual o tecladista assumiria com o nome Gord Nichol). Mesmo assim, o Active Dog gravou, mas a banda já não existia mais pra promover a bolacha quando ela saiu. Armstrong foi para o The Modernettes, enquanto Bowes e Carpenter formaram o Antheads (que nem chegou a gravar nada). Já Bill Shirt se juntou a Art Bergmann (ex-Young Canadians) no Los Popularos.
O LEGADO - Dá para dizer que foi a partir dessas três bandas (mais DOA e Subhumans, claro) que a cena punk de Vancouver se desenvolveu. Não se pode falar em "explosão", como aconteceu em outros lugares, pois na verdade, não eram muitos os punks, como Joey Shithead deixou claro em seu livro. Os poucos locais que haviam para as bandas tocarem abriam e fechavam com a mesma rapidez que a molecada começava e acabava essas mesmas bandas. Vou falar rapidamente de mais alguns dos principais grupos da primeira era do punk de Vancouver.
O POINTED STICKS começou a tocar no início de 78 como um grupo punk, mas depois assumiu uma identidade "power pop". Mesmo assim, o primeiro LP deles (Perfect Youth ,1980) é excelente e foi uma das primeiras produções do hoje mundialmente famoso Bob Rock. É "punk pop" na veia. Out of Luck, música do segundo single deles, de 1979, poderia fazer parte do repertório de qualquer grupo "pos-Green Day". A formação original tinha o vocalista Nick Jones, o o guitarrista Bill Napier-Hemy, o baixista Tony Bardach e o batera Ian Tiles. Mais tarde o tecladista Gord Nicholl (ex-Active Dog) e o saxofonista Johnny Ferreira (português) juntaram-se ao grupo. Também tocaram com os Sticks o baterista Robert Bruce (ex-Active Dog) e nosso amigo Ken "Dimiwitt" Montgomery (veja os posts sobre o DOA e o Subhumans), além do baixista Scott Watson. O grupo esteve na ativa até 1981 e lançou quatro compactos e um LP. Curiosamente assinaram com a Stiff Records, da Inglaterra e eram mais famosos fora de seu país. Em 2006, a Sudden Death Records, de Joey Shithead, relançou Perfect Youth e, no ano passado, com a formação original, voltaram a gravar em estúdio e lançaram o CD Three Lefts Make a Right. Não tão bom quanto nos velhos tempos, mas ainda (muito) bom.
Outro grupo que trabalhava na fronteira entre o punk e o power pop, mas com mais peso, era o THE MODERNETTES, formado em 79 por John Armstrong, também conhecido por Buck Cherry (guitarra e vocal), Mary-Jo Kopechne (baixo) e Jughead (bateria). Armstrong também foi integrante do Active Dogs. Mary (cujo verdadeiro nome é Mary Armstrong) trocou a música por uma pacata vida na zona rural de Alberta. A curta discografia da banda inclui um single (Strictly Commercial) e dois EPs (o clássico Teen City, de longe o melhor momento deles, e View From The Bottom, um pouco mais comercial) enquanto esteve em atividade, já que acabou em março de 1981. Pouco depois do final do grupo, em outubro de 1981, saiu um EP de 12" chamado Gone... But Not Forgotten, raríssimo por sinal, mas que atualmente foi incluído na coletânea Get It Straight, da Sudden Death Records, que reúne praticamente tudo o que eles gravaram.
Também muito importante foi o I, BRAINEATER. Na verdade, este foi um dos muitos projetos de Jim Cummins, um artista plástico loucaço que visualizou na cena punk/new wave uma maneira de expressão. O cara fez as capas de vários discos, incluindo a do primeiro álbum do Pointed Sticks. Mas o I, Braineater nunca foi um grupo fixo e punk rock mesmo só na primeira encarnação que tinha além de Cummins, Dave Greg (D.O.A.) na guitarra, Art Bergmann (K-Tels) no teclado, Buck Cherry (Modernettes) no baixo e Ian Tiles (Pointed Sticks) na batera. Um supergrupo que gravou um apenas compacto. Depois, a banda teve várias formações diferentes, nas quais apareceram com mas frequência o tecladista Steve Laviolette e o percussionista Ivo Zenatta. Mas sempre com uma pegada mais experimental. Em todo caso, o início foi marcante e Cummins ajudou a desenvolver a cena de Vancouver.
O citado K-TELS teve sua importância, mas ficou mais famoso como YOUNG CANADIANS. A mudança não foi espontânea, mas sim resultado de uma ação jurídica movida pela multinacional K-Tel Inc., na época, uma gigante do entretenimento. Por um curto período chegaram a se chamar X-Tel. O grupo era um trio comandado pelo talentoso vocalista e guitarrista Art Bergmann, com Jim Boscott no baixo e voz e Barry Taylor na batera. Apesar de terem conquistado bom público e feito vários shows grandes, eles resolveram colocar um ponto final na história da banda em 1980. Lançaram dois EPs de 12" (Hawaii e This Is Your Life), ambos com produção de Bob Rock, mais um compacto de 7" (Automan), que foi distribuído junto com a primeira prensagem de Hawaii. Bergmann era a figura da banda. O cara recebeu um prêmio Juno, um dos mais importantes na música do Canadá, como artista revelação e... o trocou por drogas. Chegou a assinar com grandes selos e gravar com assistência de produtores renomados (John Cale, inclusive), mas nunca fez as concessões exigidas pelas gravadoras e, consequentemente, jamais produziu um grande "hit" para a indústria fonográfica. Jogaria no meu time, tranquilamente. Logo após o fim do YC, Art Bergmann fundou o Los Popularos, com um estilo mais rock'n'roll e que se tornou uma lenda na história do rock canadense. Na verdade, era um projeto em que ele convidava membros de outros grupos para shows e gravações em estúdio. Jim tocou em diversas bandas desconhecidas e morreu em 2005, em um acidente não esclarecido dentro de um estacionamento de carros. Após o fim do grupo, Barry se juntou ao Shanghai Dog e eventualmente toca com bandas menos famosas ainda.
Impossível falar do punk de Vancouver da década de 70 sem citar o UJ3RKS (lê-se "u jerkers"). Apesar de não serem realmente punks, acabaram adotados pela cena (o que não era raro nos primeiros anos do punk rock e aconteceu muito em outros países). A história desses malucos começa quando Frank Ramirez e Rodney Graham resolveram se apresentar em cafés de Vancouver ora como "U2" (sim!), ora, "Gentlemen2". Até que resolveram ampliar a brincadeia e convidar outros artistas. Assim, em 77, adotaram o estranho nome. Fizeram gravações, mas só começaram a se apresentar ao vivo como um grupo em 79 e foram imediatamente identificados como punks pela estranheza de suas músicas e a temática crítica das letras, embora o som estivesse mais para oque muita gente chama de "art-rock".
Por fim, é preciso falar sobre o WASTED LIVES, que começou em 1978 e acabou no ano seguinte. No início se chamavam 4 Day Wonder, mas pouco depois dos primeiros ensaios, dois integrantes deixaram o grupo (um deles era o guitarrista Brad Kent, que foi para o Avengers). A verdadeira formação da banda era: Phil Smith (voz e teclados), Colin Griffiths (guitarra), Mary J-Kopechne (baixo) e Andy Graffiti (batera). O Wasted Lives se apresentou poucas vezes, gravou uma faixa para a coletânea Vancouver Complication e um compacto lançado postumamente com dois sons (Divorce e False Hopes), sendo que a segunda música foi creditada como de um grupo chamado Big Black Puppets, mas o que aconteceu é que eles precisavam de mais um som para lançar o single e Phil Smith e Mary chamaram amigos para gravar o lado b. Teria sido uma banda promissora, but...
Creio que, com esse post, termino a saga do punk canadense. Embora outras cidades como Montreal, Ottawa e Quebec tenham tido suas bandas e num futuro próximo falarei de algumas (como o incrível The Action, por exemplo), foi em Vancouver e Toronto que o punk surgiu no Canadá. E, pelo que vocês podem ouvir baixando esses sons, não é por acaso que ganhou respeito com o passar dos anos. Se quiser mais informações sobre a cena de Vancouver, o site Bloodied But Unbowed é a melhor fonte possível na Web. Também o site da Sudden Death Records, selo dirigido por Joey Shithead (DOA), tem bastante informações e vende material relacionado. E abaixo vão os links para conhecer o som desses verdadeiros herois do underground, pioneiros não apenas de uma cena local, mas de um novo estilo de vida. Vocês sabem do que estou falando...
The Furies
The Dishrag
Active Dog + Wasted Live
Pointed Sticks (Perfect Youth LP)
Pointed Sticks (Perfect Youth bonus tracks)
The Modernettes
I, Braineater
UJ3RK5
K-Tels / Young Canadians
Vancouver Complication (coletânea)
THE FURIES - O Furies começou no início de 77 e acabou no mesmo ano, ou seja, não chegaram a completar um ano de existência. A primeira apresentação deles foi em maio e a última, em setembro. Mas o fato de terem sido os pioneiros do punk em Vancouver chamou a atenção da mídia local. Nos poucos meses em que estiveram em atividade apareceram em jornais, revistas e até em um programa de televisão, o que contribuiu para que outros jovens resolvessem formar suas bandas. Certamente, se não tivessem existido, o punk floresceria em Vancouver da mesma maneira - era inevitável, lá com em todas as partes do mundo - mas eles deram o ponta pé inicial e merecem ser lembrados por isso.
A ideia de montar o Furies foi do guitarrista e vocalista Chris Arnett que convidou os amigos de faculdade Malcom Hasman (baixo e vocal) e Jim Albert (bateria) para a empreitada. Mesmo com tão pouco tempo, o grupo ainda teve a substituição de Malcom por John Warner, um mês antes de acabar. Embora não tenham gravado nenhum disco, entraram em estúdio e registraram duas músicas em uma demo tape. Apenas uma delas saiu em uma coletânea chamada Last Call, lançada em 1991.
Para variar, em 2007, o grupo se reuniu para um "remember", com Chris, John e o baterista Taylor Little. Entusiasmados com a resposta do público resolveram gravar dez músicas dos bons tempos e ainda compuseram mais duas. O CD está rolando por aí (não tenho).
A título de curiosidade, após o fim da banda John e Jim mudaram-se para a Inglaterra e Jim tornou-se baterista do PIL (sim, a banda de John Lydon, vulgo Johnny Rotten), além de ter tocado no Human Condition, junto com Jah Wobble (também do PIL), e no The Pack, com Kirk Brandon (futuro Theatre of Hate) e Rab Fae Beith (The Wall). John Warner também era integrante da primeira formação do The Pack. Tem história!
THE DISHRAGS - Se a Inglaterra tinha as Slits e Toronto o The Curse, Vancouver tinha as Dishrags como pioneiras da cena punk. Nascido praticamente junto com o Furies (abriu o primeiro show deles, com o nome Dee Dee and The Dishrags, em homenagem ao guitarrista do Ramones) era um trio de garotas com idade entre 15 e 16 anos! Uma possível explicação para que existisse um grupo só de mulheres tão cedo por lá é que a vocalista e guitarrista Jade Blade, fundadora do Dishrags, era prima de Chris Arnett. A primeira formação tinha ainda a baixista Dale Powers e a baterista Scout. No início, faziam um som bem básico, primitivo mesmo, pois mal sabiam dominar seus instrumentos. Mas conseguiram evoluir e superaram musicalmente várias bandas da época. Em 78, abriram o show do Clash em Vancouver.
Em termos de gravação, participaram da histórica coletânea Vancouver Complication e lançaram dois compactos. O primeiro, de 1979, tem três faixas: Past is Past, Love is Shit e Tormented. O incrível é que o som tem uma pegada hardcore! O disco foi gravado em Seattle (que não é distante de Vancouver) no Triangle Studios, o mesmo em que mais tarde o Nirvana registraria suas primeiras canções.
Mas pouco depois de sair a bolachinha, Dale Powers deixou o grupo. Em seu lugar entrou a baixista Kim Henriksen e o grupo ainda ganhou uma guitarrista extra: Sue MacGillivray. As duas novas integrantes eram de um outro grupo só de minas, chamado Devices, que havia acabado. Agora um quarteto, elas foram para a Inglaterra gravar o segundo single, pela Stiff Records e distribuído pela RCA inglesa, já em 1980. O compacto tem quatro músicas e chama-se Death in the Family, que além da faixa-título trouxe All the Pain e Beware of the Dog. Bem diferente do primeiro, mais lento e mais apurado, mas sem concessões comerciais. No entanto, discussões internas levaram ao fim da banda, provavelmente ainda durante as gravações do segundo disco, que chegou às lojas já com a banda fora de atividade. Em 1997, foi lançado um CD com tudo o que elas gravaram (incluindo faixas de demo tapes e ao vivo), chamado Love/Hate, que ajudou a resgatar esse pedaço precioso da história não contada do punk. Em tempo: dishrag pode ser traduzido como "puta rampeira", ou algo parecido...
ACTIVE DOG - Mais um grupo de vida curta , porém, que lançou sementes fortíssimas na cena punk de Vancouver. A história deles começa em 1978 quando três integrantes do The Monitors (também conhecido como The Shits) - o tecladista Dash Ham, o guitarrista John "Buck Cherry" Armstrong e o vocalista Bill Shirt - saíram da pequena Surrey-White Rock para a vizinha Vancouver. Lá se uniram a Terry Bowes (guitarra), Ross Carpenter (baixo) e Robert Bruce e adotaram o nome Active Dog. Com essa formação tocaram por mais ou menos um ano e meio e ganharam respeito e fama na cena underground. Em 1979, pouco antes de entrarem em estúdio para fazerem suas primeiras gravações, Dash e Bruce deixaram a banda para formar o Pointed Sticks (no qual o tecladista assumiria com o nome Gord Nichol). Mesmo assim, o Active Dog gravou, mas a banda já não existia mais pra promover a bolacha quando ela saiu. Armstrong foi para o The Modernettes, enquanto Bowes e Carpenter formaram o Antheads (que nem chegou a gravar nada). Já Bill Shirt se juntou a Art Bergmann (ex-Young Canadians) no Los Popularos.
O LEGADO - Dá para dizer que foi a partir dessas três bandas (mais DOA e Subhumans, claro) que a cena punk de Vancouver se desenvolveu. Não se pode falar em "explosão", como aconteceu em outros lugares, pois na verdade, não eram muitos os punks, como Joey Shithead deixou claro em seu livro. Os poucos locais que haviam para as bandas tocarem abriam e fechavam com a mesma rapidez que a molecada começava e acabava essas mesmas bandas. Vou falar rapidamente de mais alguns dos principais grupos da primeira era do punk de Vancouver.
O POINTED STICKS começou a tocar no início de 78 como um grupo punk, mas depois assumiu uma identidade "power pop". Mesmo assim, o primeiro LP deles (Perfect Youth ,1980) é excelente e foi uma das primeiras produções do hoje mundialmente famoso Bob Rock. É "punk pop" na veia. Out of Luck, música do segundo single deles, de 1979, poderia fazer parte do repertório de qualquer grupo "pos-Green Day". A formação original tinha o vocalista Nick Jones, o o guitarrista Bill Napier-Hemy, o baixista Tony Bardach e o batera Ian Tiles. Mais tarde o tecladista Gord Nicholl (ex-Active Dog) e o saxofonista Johnny Ferreira (português) juntaram-se ao grupo. Também tocaram com os Sticks o baterista Robert Bruce (ex-Active Dog) e nosso amigo Ken "Dimiwitt" Montgomery (veja os posts sobre o DOA e o Subhumans), além do baixista Scott Watson. O grupo esteve na ativa até 1981 e lançou quatro compactos e um LP. Curiosamente assinaram com a Stiff Records, da Inglaterra e eram mais famosos fora de seu país. Em 2006, a Sudden Death Records, de Joey Shithead, relançou Perfect Youth e, no ano passado, com a formação original, voltaram a gravar em estúdio e lançaram o CD Three Lefts Make a Right. Não tão bom quanto nos velhos tempos, mas ainda (muito) bom.
Outro grupo que trabalhava na fronteira entre o punk e o power pop, mas com mais peso, era o THE MODERNETTES, formado em 79 por John Armstrong, também conhecido por Buck Cherry (guitarra e vocal), Mary-Jo Kopechne (baixo) e Jughead (bateria). Armstrong também foi integrante do Active Dogs. Mary (cujo verdadeiro nome é Mary Armstrong) trocou a música por uma pacata vida na zona rural de Alberta. A curta discografia da banda inclui um single (Strictly Commercial) e dois EPs (o clássico Teen City, de longe o melhor momento deles, e View From The Bottom, um pouco mais comercial) enquanto esteve em atividade, já que acabou em março de 1981. Pouco depois do final do grupo, em outubro de 1981, saiu um EP de 12" chamado Gone... But Not Forgotten, raríssimo por sinal, mas que atualmente foi incluído na coletânea Get It Straight, da Sudden Death Records, que reúne praticamente tudo o que eles gravaram.
Também muito importante foi o I, BRAINEATER. Na verdade, este foi um dos muitos projetos de Jim Cummins, um artista plástico loucaço que visualizou na cena punk/new wave uma maneira de expressão. O cara fez as capas de vários discos, incluindo a do primeiro álbum do Pointed Sticks. Mas o I, Braineater nunca foi um grupo fixo e punk rock mesmo só na primeira encarnação que tinha além de Cummins, Dave Greg (D.O.A.) na guitarra, Art Bergmann (K-Tels) no teclado, Buck Cherry (Modernettes) no baixo e Ian Tiles (Pointed Sticks) na batera. Um supergrupo que gravou um apenas compacto. Depois, a banda teve várias formações diferentes, nas quais apareceram com mas frequência o tecladista Steve Laviolette e o percussionista Ivo Zenatta. Mas sempre com uma pegada mais experimental. Em todo caso, o início foi marcante e Cummins ajudou a desenvolver a cena de Vancouver.
O citado K-TELS teve sua importância, mas ficou mais famoso como YOUNG CANADIANS. A mudança não foi espontânea, mas sim resultado de uma ação jurídica movida pela multinacional K-Tel Inc., na época, uma gigante do entretenimento. Por um curto período chegaram a se chamar X-Tel. O grupo era um trio comandado pelo talentoso vocalista e guitarrista Art Bergmann, com Jim Boscott no baixo e voz e Barry Taylor na batera. Apesar de terem conquistado bom público e feito vários shows grandes, eles resolveram colocar um ponto final na história da banda em 1980. Lançaram dois EPs de 12" (Hawaii e This Is Your Life), ambos com produção de Bob Rock, mais um compacto de 7" (Automan), que foi distribuído junto com a primeira prensagem de Hawaii. Bergmann era a figura da banda. O cara recebeu um prêmio Juno, um dos mais importantes na música do Canadá, como artista revelação e... o trocou por drogas. Chegou a assinar com grandes selos e gravar com assistência de produtores renomados (John Cale, inclusive), mas nunca fez as concessões exigidas pelas gravadoras e, consequentemente, jamais produziu um grande "hit" para a indústria fonográfica. Jogaria no meu time, tranquilamente. Logo após o fim do YC, Art Bergmann fundou o Los Popularos, com um estilo mais rock'n'roll e que se tornou uma lenda na história do rock canadense. Na verdade, era um projeto em que ele convidava membros de outros grupos para shows e gravações em estúdio. Jim tocou em diversas bandas desconhecidas e morreu em 2005, em um acidente não esclarecido dentro de um estacionamento de carros. Após o fim do grupo, Barry se juntou ao Shanghai Dog e eventualmente toca com bandas menos famosas ainda.
Impossível falar do punk de Vancouver da década de 70 sem citar o UJ3RKS (lê-se "u jerkers"). Apesar de não serem realmente punks, acabaram adotados pela cena (o que não era raro nos primeiros anos do punk rock e aconteceu muito em outros países). A história desses malucos começa quando Frank Ramirez e Rodney Graham resolveram se apresentar em cafés de Vancouver ora como "U2" (sim!), ora, "Gentlemen2". Até que resolveram ampliar a brincadeia e convidar outros artistas. Assim, em 77, adotaram o estranho nome. Fizeram gravações, mas só começaram a se apresentar ao vivo como um grupo em 79 e foram imediatamente identificados como punks pela estranheza de suas músicas e a temática crítica das letras, embora o som estivesse mais para oque muita gente chama de "art-rock".
Por fim, é preciso falar sobre o WASTED LIVES, que começou em 1978 e acabou no ano seguinte. No início se chamavam 4 Day Wonder, mas pouco depois dos primeiros ensaios, dois integrantes deixaram o grupo (um deles era o guitarrista Brad Kent, que foi para o Avengers). A verdadeira formação da banda era: Phil Smith (voz e teclados), Colin Griffiths (guitarra), Mary J-Kopechne (baixo) e Andy Graffiti (batera). O Wasted Lives se apresentou poucas vezes, gravou uma faixa para a coletânea Vancouver Complication e um compacto lançado postumamente com dois sons (Divorce e False Hopes), sendo que a segunda música foi creditada como de um grupo chamado Big Black Puppets, mas o que aconteceu é que eles precisavam de mais um som para lançar o single e Phil Smith e Mary chamaram amigos para gravar o lado b. Teria sido uma banda promissora, but...
Creio que, com esse post, termino a saga do punk canadense. Embora outras cidades como Montreal, Ottawa e Quebec tenham tido suas bandas e num futuro próximo falarei de algumas (como o incrível The Action, por exemplo), foi em Vancouver e Toronto que o punk surgiu no Canadá. E, pelo que vocês podem ouvir baixando esses sons, não é por acaso que ganhou respeito com o passar dos anos. Se quiser mais informações sobre a cena de Vancouver, o site Bloodied But Unbowed é a melhor fonte possível na Web. Também o site da Sudden Death Records, selo dirigido por Joey Shithead (DOA), tem bastante informações e vende material relacionado. E abaixo vão os links para conhecer o som desses verdadeiros herois do underground, pioneiros não apenas de uma cena local, mas de um novo estilo de vida. Vocês sabem do que estou falando...
The Furies
The Dishrag
Active Dog + Wasted Live
Pointed Sticks (Perfect Youth LP)
Pointed Sticks (Perfect Youth bonus tracks)
The Modernettes
I, Braineater
UJ3RK5
K-Tels / Young Canadians
Vancouver Complication (coletânea)
2 de fev de 2010
Caos, desordem e punk rock: pesadelo em Toronto
O punk canadense tem uma história tão (ou mais) rica e interessante quanto a de suas duas principais crias, dissecadas nos posts anteriores. Mesmo em Vancouver, entre 1977 e 1982, surgiram (e acabaram) dezenas de outros grupos; D.O.A. e Subhumans eram apenas a ponta do iceberg, apesar de todo seu poderio sonoro e ideológico. Mas outras cidades também desenvolveram cenas intensas. Algumas, como Toronto, realmente surpreendentes. A proximidade com New York certamente foi determinante para isso e, não por mera coincidência, há uma forte influência do som de NY e Detroit na maioria das bandas.
O estopim para o surgimento de uma cena punk em Toronto foi um show do Ramones em setembro de 1976. Na plateia daquela apresentação, que teria durado meros 20 minutos, estavam membros fundadores das primeiras bandas locais. A consequência disso - claro, aliada a diversos outros fatores - foi que no verão de 77, Toronto viveu sua "explosão punk", capitaneada por bandas como Diodes, The Viletones, The Curse, The Ugly e Teenage Heads, entre outras. Vou falar um pouco de cada.
THE DIODES - Grupo formado em 76 pelo vocalista Paul Robinson e o baixista Ian Mackay, aos quais se juntou o guitarrista John Catto. Diversos bateristas passaram pelo grupo até a entrada de Mike Lengyell, já no meio de 1978, que se firmou no posto. O Diodes é considerado com o primeiro grupo punk canadense. No entanto, em que pese a atitude, muitos conterrâneos e contemprâneos deles não os consideram exatamente punk, pois desde o início é notável influências de grupos como The Who e Kinks. Daí serem cultuados por "mods revivalistas" do mundo todo. A meu ver, eles começaram como punks e foram determinantes para o surgimento de uma cena em Toronto, mas como conseguiram um contrato com uma grande gravadora, acabaram influenciados pelas "leis de mercado", daí...
A primeira apresentação do Diodes foi realizada apenas em janeiro de 77, quando tocaram com o ainda não tão famoso Talking Heads. E, se não tinham um som "puramente" punk, eles contribuíram de uma forma decisiva para o florescimento de uma cena em Toronto, ao gerenciar o The Crash 'n' Burn, um clube noturno exclusivo para bandas new wave e punk. O local acabou sendo fechado pelo Partido Liberal, que tinha sede no mesmo quarteirão, mas em sua curta existência abriu espaço para o surgimento de várias bandas.
Em 77, lançaram um "split single" com o The Curse, hoje raríssimo, chamado Raw/War. Ainda naquele ano, fizeram os primeiros shows em New York e foram muito elogiados pela crítica. A boa repercursão lhes rendeu um contrato com a CBS, o que fez do Diodes o primeiro grupo punk do Canadá a assinar com uma major. O primeiro LP, chamado simplesmente The Diodes, foi bem recebido por público e imprensa, o que lhes proporcionou uma certa fama nos EUA. No entanto, o disco não captou a energia da banda em suas apresentações ao vivo. Por outro lado, há quem o considere um clássico do que hoje muita gente chama pop-punk, outros de power pop (apesar de no Brasil já ter gente confundindo esse estilo). Claro, que por estarem em um grande selo, o som deles foi bastande dilapidado, mesmo assim, é bem criativo.
Em 79, lançaram o segundo LP, Released, bem mais produzido que o primeiro e com mais acentos pop. Em certas passagens eles lembram bem o Ramones em seus momentos mais alegres e menos densos. É neste LP que está Tired of Waking Up Tired, o maior sucesso da banda. Em 1980, depois de não terem o contrato renovado com a CBS, o Diodes, apenas com Catto e Robinson, mudou-se para a Inglaterra. Lá, juntamente com o baixista Steve Robinson, ex-Barracudas, e o baterista Richard Citroen deram sequência ao trabalho e lançaram o terceiro LP, Action/Reaction, pelo selo Orient, outro ótimo LP, a meu ver, superior a Released, mas que jamais recebeu a devida atenção. Em 82, lançaram Survivors, uma coletânea de sobras de estúdio e gravações raras. Pouco depois desse lançamento, a banda acabou. Na verdade, o que houve foi uma grande mudança de direção o que levou Robinson e Catto a proporem um novo nome para o grupo: High Noon. Dessa forma, estabeleceram-se em Londres e por lá fizeram uma breve carreira até 1985. Diz a lenda que há gravações não lançadas desse período. No final dos anos 90 e depois em 2007, o Diodes se reuniu para algumas apresentações. E "só".
VILETONES - Se o mundo se assustou com o comportamento dos Sex Pistols em Londres, a sorte é que os holofotes não se viraram para Toronto. Os Viletones certamente causariam mais indignação. Um artigo do jornal Record Week descreveu o grupo como "a resposta cultural do Ocidente para Idi Amin Da Da" (para quem não sabe, Idi Amin era presidente de Uganda e tinha manias "estranhas", como comer carne humana e guardar partes dos corpos de seus desafetos em geladeiras....).
Tal afirmação tinha como base o perfil do vocalista que no palco - e fora dele, também - destilava raiva, ódio, violência extrema, autodestruição, escatologia e... simpatia pelo nazismo! Sim, Steven Leckie adotou o pseudônimo "Nazi Dog", usava suásticas e dizia não apenas ser admirador H. Himmler, mas também descendente do número um da SS de Hitler. E orgulhava-se disso. Óbvio que tal comportamento é abominável até mesmo entre os punks. Mas a questão não era ideológica. Steven demorou um pouco a perceber o quanto estava sendo ingênuo ao promover a merda nazista. Sua intenção era causar o máximo de repulsa que pudesse nos mais velhos e incitar a violência em seu público. Conseguiu, claro. Mas já na virada de 77 para 78, depois de assistir ao filme Holocausto, se tocou da besteira e deixou o apelido e a propaganda nazista de lado. Diz a lenda que ele teria sofrido ameaças de morte por parte do serviço secreto israelense, o que facilitou ainda mais a decisão de mudar o discurso...
Nazi Dog era desprezível, mas era também um soco na cara da sociedade canadense e o som do Viletones um chute dolorido no saco da pasmaceira musical que predominava naquele país. Os outros integrantes do grupo eram o guitarrista Freddy Pompeii, o baterista Mike "Motor X" Anderson e o baixista Jackie Death (que ficou pouco tempo, sendo substituído por Chris "Hate" Haight).
O Viletones foi um meteoro destruidor que durou (a formação original) por cerca de dois anos apenas. Nesse período, conseguiram chamar a atenção da imprensa, com vários artigos publicados, inclusive na Europa, sobre a selvageria promovida por eles no palco. Também fizeram uma apresentação no CBGB, ao lado do Diodes, The Curse e do Teenage Head. Em termos de gravações, lançaram dois compactos. O primeiro, Screamin' Fist, saiu em 77, e o segundo, Look Back in Anger, em 78. Pouco depois desse segundo ep, o baixista Sam Ferrara, ex-The Ugly, entrou no grupo e Chris Haight assumiu a segunda guitarra.
Quando o Viletones parecia que ia tomar um rumo, sem muitas explicações, três integrantes originais da banda saíram, deixando Nazi Dog e Sam. Pompeii, Haight e Anderson juntaram-se ao baterista John Hamilton (que tocou com o Dodes em sua fase incial) para formar o The Secrets, com um som menos agressivo. Não virou e ainda deram fim a mais original banda que surgira em Toronto desde a invenção do rock'n'roll.
THE UGLY - Da mesma estirpe que o Viletones, mas com algumas diferenças: eram melhores musicalmente e piores como pessoas. Não gostavam muito das outras bandas, especialmente do pessoal do Diodes, que eram ligados a uma escola de arte. Os integrantes doUgly eram marginais mesmo, inclusive tiveram muitos problemas porque virava e mexia um deles estava em cana. A banda é, na verdade, de Hamilton, que fica muito próxima a Toronto, mas como não tinha onde tocar em sua cidade natal, acabaram se tornando, por osmose um grupo de Toronto.
O grupo começou por volta do final de 76, depois que o baixista Sam "Ugly" Ferrara e o guitarrista Tony "Torture" Vincent ouviram o primeiro LP do Ramones (sempre eles!) e decidiram mudar o estilo de som que faziam (eles tocavam numa banda chamada The Markeys, que fazia covers do Yardbirds, The Who, Stones e outros). Na reformulação, recrutaram Mike "Nightmare" Mulhoney para o vocal e dispensaram o baterista Brian Vadders, pois ele não quis cortar o cabelo estilo hiponga! No lugar dele, entrou o irmão de Mike, Ray "Gunner".
Como muitas bandas punks daquele tempo, o Ugly poderia fazer um som mais trabalhado, mas optaram pelo mais agressivo que podiam. Outro fato curioso é que por acharem que alguns grupos punks eram muito "sofisticados" (e também pelo fato que muitos integrantes das outras bandas serem alunos de uma escola de arte), costumavam dizer que não tocavam punk rock, mas sim "hoodlum rock", algo como "rock de bandido".
Assim como o Viletones, a natureza desencanada e anárquica (não na acepção política do termo) do Ugly não permitiu que eles tivessem um futuro no cenário musical. Também passaram como um meteoro e a formação original se desmantelou em 78. Mike reformou a banda e chegou a lançar um single (Stranded In The Laneway (of love) / To Have Some Fun), bem mais para o rock'n'roll. Do Ugly original, o único registo da época é uma faixa na coletânea And Now Live From Toronto - The Last Pogo, hoje considerado um raro e precioso documento da história do punk canadense. Este disco seria uma espécie de trilha sonora de um filme captado em um show na Horseshow Tavern (lendário clube de Toronto que abrigou o início da cena na cidade), realizado pela dupla Gary Toppie e Gary Cormmier, donos do local considerados os maiores incentivadores do punk por lá. (Sempre digo que o que faltou no início do punk brasileiro era um espaço desse tipo, para as bandas tocarem e ensaiarem). Parece que já há DVD desse filme, não tenho certeza.
O Ugly acabou pouco depois do lançamento so single, que passou completamente batido. Em 97, Mike faleceu. Dez anos depois Sam e Tony, na onde de "ressuscitamento" de todas as bandas punks dos anos 70 e 80, voltaram a tocar sob o nome The Ugly, juntamente com o guitarrista Steve Koch e o vocalista Greg Dick (ex-Dream Dates, outra banda obscura dos anos 70). A verdadeira volta dos mortos-vivos!
THE CURSE - Candidatíssima ao posto de primeira banda feminina de punk da América do Norte, ao lado das Dishrags (curiosamente também canadenses, mas de Vancouver), essa é mais uma banda que costuma surpreender quem começa a descobrir a real história do punk. O The Curse foi criado no verão de 77 pelas amigas Mickey Skin (voz) e Dr. Bourque (baixo). Patsy Poizon (bateria) e Trixie Danger (guitarra), completaram a formação. Também tocaram na histórica noite canadense do CBGB em 77, com os Diodes, o Teenage Head e o Viletones (o Cramps ainda se apresentou nesse dia). As peformances das meninas eram marcados por atitudes inesperadas de Mickey como espalhar e atirar restos de comida no público.
Quanto ao som, enquanto estavam em atividade lançaram apenas o split com o Diodes (mas a faixa delas, Raw, não é uma música, apenas a voz de Mickey sobreposta a uma fala de alguém sobre teoria social. Ela vai xingando o cara) e um compacto com as faixas Shoeshine Boy e Killer Bees. Muito bom, punk primitivo de primeira.
Em 78, cerca de um ano depois da apresentação no CBGB, retornaram a New York e tocaram no Max's Kansas City, que acabou sendo o último show do grupo. Em 1996, o selo Other Peoples Music lançou uma coletânea com tudo o que foi possível garimpar delas. Tem as faixas dos compactos, demos e algumas ao vivo. Um registro histórico. Mas teria sido interessante se elas tivessem gravado um LP. Em tempo: "curse" é uma das expressões para menstruação.
TEENAGE HEAD - São conhecidos também (mais um) como Ramones canadense. E realmente existem algumas semelhanças, observando-se o chavão desde que guardadas as devidas proporções. O Teenage Head foi criado em 1975 por quatro colegas de faculdade: Frank "Venom" Kerr Jr. (vocal), Gordon "Lazy Legs" Lewis guitarra, Steve "Marshall" Mahon (baixo) e Nick Stipanitz (bateria). Todos eram fãs de Iggy and The Stooges, MC5, Flamin' Grooves e New York Dolls. Assim, antes de terem suas próprias músicas, faziam covers dessas bandas, cujo som foi fundamental para a existência do punk rock. Uma escola e tanto. Inclusive tiraram o nome de um LP do Grooves, de 1971. Foram dois anos de ensaios antes de tomarem a decisão de mudar-se para Toronto (eram de Hamilton).
De casa nova, começaram a tocar no pequeno mas frequente e agitado circuito punk, ao lado das bandas pioneiras já citadas neste post. Em 78, lançaram o primeiro single Picture My Face / Tearin' Me Apart pelo selo Interglobal Music. A primeira parece muito com Stooges, principalmente o vocal. A segunda, é Heartbreakers puro. Ainda no mesmo ano fizeram mais um compacto com as faixas Top Down e Kissin' the Carpet. A guitarra a la Ramones é evidente na primeira faxa. Mas é bom dizer que ao mesmo tempo eles tinham um estilo próprio.
A repercursão destes lançamentos ficou restrita ao circuit underground. Mas a banda já criara uma certa fama e, em 78, lançou o primeiro LP, Teenage Head. No entanto, pouco depois e justamente quando começavam a ver a fama crescer, a Interglobal faliu. Assim, por muito tempo, estes três discos ficaram fora de catálogo, sendo relançados apenas nos anos 90, quando iniciou-se a era do CD. No disco, as influências citadas são bem claras. É "punk mais rock do que nunca" para ser ouvido no volume máximo.
Em 1980 assinaram com um selo maior, a Attic Records. Com isso puderam investir mais na gravação do segundo LP, Frantic City, produzido pelo ex-guitarrista de David Bowie, Stacey Heydon. O resultado é um som bem mais polido e 99% rock'n'roll. Vale a pena ouvir, mas nada tem a ver com punk. E daí em diante a banda seguiu essa linha, embora o terceiro LP, de 82, chamado Some Kinda od Fun, seja mais pesado e tenha ficado famoso como "trilha sonora ideal para festas regadas a cerveja". Daí em diante e principalmente após assinarem com a CBS, que os forçou a mudar o nome para Teenage Heads, distanciaram-se do punk, embra usassem a fama de banda punk - especialmente com a retomada do interesse pelo gênero nos anos 90. Seja como for, o Teenage Head foi uma das mais influentes bandas dos primeiros anos do punk canadense e merece ser incluído em qualquer historiografia que se faça em relação ao punk rock no mundo. Em tempo: Frank Venom morreu em 2007, em consequência de um câncer na garganta.
O estopim para o surgimento de uma cena punk em Toronto foi um show do Ramones em setembro de 1976. Na plateia daquela apresentação, que teria durado meros 20 minutos, estavam membros fundadores das primeiras bandas locais. A consequência disso - claro, aliada a diversos outros fatores - foi que no verão de 77, Toronto viveu sua "explosão punk", capitaneada por bandas como Diodes, The Viletones, The Curse, The Ugly e Teenage Heads, entre outras. Vou falar um pouco de cada.
THE DIODES - Grupo formado em 76 pelo vocalista Paul Robinson e o baixista Ian Mackay, aos quais se juntou o guitarrista John Catto. Diversos bateristas passaram pelo grupo até a entrada de Mike Lengyell, já no meio de 1978, que se firmou no posto. O Diodes é considerado com o primeiro grupo punk canadense. No entanto, em que pese a atitude, muitos conterrâneos e contemprâneos deles não os consideram exatamente punk, pois desde o início é notável influências de grupos como The Who e Kinks. Daí serem cultuados por "mods revivalistas" do mundo todo. A meu ver, eles começaram como punks e foram determinantes para o surgimento de uma cena em Toronto, mas como conseguiram um contrato com uma grande gravadora, acabaram influenciados pelas "leis de mercado", daí...
A primeira apresentação do Diodes foi realizada apenas em janeiro de 77, quando tocaram com o ainda não tão famoso Talking Heads. E, se não tinham um som "puramente" punk, eles contribuíram de uma forma decisiva para o florescimento de uma cena em Toronto, ao gerenciar o The Crash 'n' Burn, um clube noturno exclusivo para bandas new wave e punk. O local acabou sendo fechado pelo Partido Liberal, que tinha sede no mesmo quarteirão, mas em sua curta existência abriu espaço para o surgimento de várias bandas.
Em 77, lançaram um "split single" com o The Curse, hoje raríssimo, chamado Raw/War. Ainda naquele ano, fizeram os primeiros shows em New York e foram muito elogiados pela crítica. A boa repercursão lhes rendeu um contrato com a CBS, o que fez do Diodes o primeiro grupo punk do Canadá a assinar com uma major. O primeiro LP, chamado simplesmente The Diodes, foi bem recebido por público e imprensa, o que lhes proporcionou uma certa fama nos EUA. No entanto, o disco não captou a energia da banda em suas apresentações ao vivo. Por outro lado, há quem o considere um clássico do que hoje muita gente chama pop-punk, outros de power pop (apesar de no Brasil já ter gente confundindo esse estilo). Claro, que por estarem em um grande selo, o som deles foi bastande dilapidado, mesmo assim, é bem criativo.
Em 79, lançaram o segundo LP, Released, bem mais produzido que o primeiro e com mais acentos pop. Em certas passagens eles lembram bem o Ramones em seus momentos mais alegres e menos densos. É neste LP que está Tired of Waking Up Tired, o maior sucesso da banda. Em 1980, depois de não terem o contrato renovado com a CBS, o Diodes, apenas com Catto e Robinson, mudou-se para a Inglaterra. Lá, juntamente com o baixista Steve Robinson, ex-Barracudas, e o baterista Richard Citroen deram sequência ao trabalho e lançaram o terceiro LP, Action/Reaction, pelo selo Orient, outro ótimo LP, a meu ver, superior a Released, mas que jamais recebeu a devida atenção. Em 82, lançaram Survivors, uma coletânea de sobras de estúdio e gravações raras. Pouco depois desse lançamento, a banda acabou. Na verdade, o que houve foi uma grande mudança de direção o que levou Robinson e Catto a proporem um novo nome para o grupo: High Noon. Dessa forma, estabeleceram-se em Londres e por lá fizeram uma breve carreira até 1985. Diz a lenda que há gravações não lançadas desse período. No final dos anos 90 e depois em 2007, o Diodes se reuniu para algumas apresentações. E "só".
VILETONES - Se o mundo se assustou com o comportamento dos Sex Pistols em Londres, a sorte é que os holofotes não se viraram para Toronto. Os Viletones certamente causariam mais indignação. Um artigo do jornal Record Week descreveu o grupo como "a resposta cultural do Ocidente para Idi Amin Da Da" (para quem não sabe, Idi Amin era presidente de Uganda e tinha manias "estranhas", como comer carne humana e guardar partes dos corpos de seus desafetos em geladeiras....).
Tal afirmação tinha como base o perfil do vocalista que no palco - e fora dele, também - destilava raiva, ódio, violência extrema, autodestruição, escatologia e... simpatia pelo nazismo! Sim, Steven Leckie adotou o pseudônimo "Nazi Dog", usava suásticas e dizia não apenas ser admirador H. Himmler, mas também descendente do número um da SS de Hitler. E orgulhava-se disso. Óbvio que tal comportamento é abominável até mesmo entre os punks. Mas a questão não era ideológica. Steven demorou um pouco a perceber o quanto estava sendo ingênuo ao promover a merda nazista. Sua intenção era causar o máximo de repulsa que pudesse nos mais velhos e incitar a violência em seu público. Conseguiu, claro. Mas já na virada de 77 para 78, depois de assistir ao filme Holocausto, se tocou da besteira e deixou o apelido e a propaganda nazista de lado. Diz a lenda que ele teria sofrido ameaças de morte por parte do serviço secreto israelense, o que facilitou ainda mais a decisão de mudar o discurso...
Nazi Dog era desprezível, mas era também um soco na cara da sociedade canadense e o som do Viletones um chute dolorido no saco da pasmaceira musical que predominava naquele país. Os outros integrantes do grupo eram o guitarrista Freddy Pompeii, o baterista Mike "Motor X" Anderson e o baixista Jackie Death (que ficou pouco tempo, sendo substituído por Chris "Hate" Haight).
O Viletones foi um meteoro destruidor que durou (a formação original) por cerca de dois anos apenas. Nesse período, conseguiram chamar a atenção da imprensa, com vários artigos publicados, inclusive na Europa, sobre a selvageria promovida por eles no palco. Também fizeram uma apresentação no CBGB, ao lado do Diodes, The Curse e do Teenage Head. Em termos de gravações, lançaram dois compactos. O primeiro, Screamin' Fist, saiu em 77, e o segundo, Look Back in Anger, em 78. Pouco depois desse segundo ep, o baixista Sam Ferrara, ex-The Ugly, entrou no grupo e Chris Haight assumiu a segunda guitarra.
Quando o Viletones parecia que ia tomar um rumo, sem muitas explicações, três integrantes originais da banda saíram, deixando Nazi Dog e Sam. Pompeii, Haight e Anderson juntaram-se ao baterista John Hamilton (que tocou com o Dodes em sua fase incial) para formar o The Secrets, com um som menos agressivo. Não virou e ainda deram fim a mais original banda que surgira em Toronto desde a invenção do rock'n'roll.
THE UGLY - Da mesma estirpe que o Viletones, mas com algumas diferenças: eram melhores musicalmente e piores como pessoas. Não gostavam muito das outras bandas, especialmente do pessoal do Diodes, que eram ligados a uma escola de arte. Os integrantes doUgly eram marginais mesmo, inclusive tiveram muitos problemas porque virava e mexia um deles estava em cana. A banda é, na verdade, de Hamilton, que fica muito próxima a Toronto, mas como não tinha onde tocar em sua cidade natal, acabaram se tornando, por osmose um grupo de Toronto.
O grupo começou por volta do final de 76, depois que o baixista Sam "Ugly" Ferrara e o guitarrista Tony "Torture" Vincent ouviram o primeiro LP do Ramones (sempre eles!) e decidiram mudar o estilo de som que faziam (eles tocavam numa banda chamada The Markeys, que fazia covers do Yardbirds, The Who, Stones e outros). Na reformulação, recrutaram Mike "Nightmare" Mulhoney para o vocal e dispensaram o baterista Brian Vadders, pois ele não quis cortar o cabelo estilo hiponga! No lugar dele, entrou o irmão de Mike, Ray "Gunner".
Como muitas bandas punks daquele tempo, o Ugly poderia fazer um som mais trabalhado, mas optaram pelo mais agressivo que podiam. Outro fato curioso é que por acharem que alguns grupos punks eram muito "sofisticados" (e também pelo fato que muitos integrantes das outras bandas serem alunos de uma escola de arte), costumavam dizer que não tocavam punk rock, mas sim "hoodlum rock", algo como "rock de bandido".
Assim como o Viletones, a natureza desencanada e anárquica (não na acepção política do termo) do Ugly não permitiu que eles tivessem um futuro no cenário musical. Também passaram como um meteoro e a formação original se desmantelou em 78. Mike reformou a banda e chegou a lançar um single (Stranded In The Laneway (of love) / To Have Some Fun), bem mais para o rock'n'roll. Do Ugly original, o único registo da época é uma faixa na coletânea And Now Live From Toronto - The Last Pogo, hoje considerado um raro e precioso documento da história do punk canadense. Este disco seria uma espécie de trilha sonora de um filme captado em um show na Horseshow Tavern (lendário clube de Toronto que abrigou o início da cena na cidade), realizado pela dupla Gary Toppie e Gary Cormmier, donos do local considerados os maiores incentivadores do punk por lá. (Sempre digo que o que faltou no início do punk brasileiro era um espaço desse tipo, para as bandas tocarem e ensaiarem). Parece que já há DVD desse filme, não tenho certeza.
O Ugly acabou pouco depois do lançamento so single, que passou completamente batido. Em 97, Mike faleceu. Dez anos depois Sam e Tony, na onde de "ressuscitamento" de todas as bandas punks dos anos 70 e 80, voltaram a tocar sob o nome The Ugly, juntamente com o guitarrista Steve Koch e o vocalista Greg Dick (ex-Dream Dates, outra banda obscura dos anos 70). A verdadeira volta dos mortos-vivos!
THE CURSE - Candidatíssima ao posto de primeira banda feminina de punk da América do Norte, ao lado das Dishrags (curiosamente também canadenses, mas de Vancouver), essa é mais uma banda que costuma surpreender quem começa a descobrir a real história do punk. O The Curse foi criado no verão de 77 pelas amigas Mickey Skin (voz) e Dr. Bourque (baixo). Patsy Poizon (bateria) e Trixie Danger (guitarra), completaram a formação. Também tocaram na histórica noite canadense do CBGB em 77, com os Diodes, o Teenage Head e o Viletones (o Cramps ainda se apresentou nesse dia). As peformances das meninas eram marcados por atitudes inesperadas de Mickey como espalhar e atirar restos de comida no público.
Quanto ao som, enquanto estavam em atividade lançaram apenas o split com o Diodes (mas a faixa delas, Raw, não é uma música, apenas a voz de Mickey sobreposta a uma fala de alguém sobre teoria social. Ela vai xingando o cara) e um compacto com as faixas Shoeshine Boy e Killer Bees. Muito bom, punk primitivo de primeira.
Em 78, cerca de um ano depois da apresentação no CBGB, retornaram a New York e tocaram no Max's Kansas City, que acabou sendo o último show do grupo. Em 1996, o selo Other Peoples Music lançou uma coletânea com tudo o que foi possível garimpar delas. Tem as faixas dos compactos, demos e algumas ao vivo. Um registro histórico. Mas teria sido interessante se elas tivessem gravado um LP. Em tempo: "curse" é uma das expressões para menstruação.
TEENAGE HEAD - São conhecidos também (mais um) como Ramones canadense. E realmente existem algumas semelhanças, observando-se o chavão desde que guardadas as devidas proporções. O Teenage Head foi criado em 1975 por quatro colegas de faculdade: Frank "Venom" Kerr Jr. (vocal), Gordon "Lazy Legs" Lewis guitarra, Steve "Marshall" Mahon (baixo) e Nick Stipanitz (bateria). Todos eram fãs de Iggy and The Stooges, MC5, Flamin' Grooves e New York Dolls. Assim, antes de terem suas próprias músicas, faziam covers dessas bandas, cujo som foi fundamental para a existência do punk rock. Uma escola e tanto. Inclusive tiraram o nome de um LP do Grooves, de 1971. Foram dois anos de ensaios antes de tomarem a decisão de mudar-se para Toronto (eram de Hamilton).
De casa nova, começaram a tocar no pequeno mas frequente e agitado circuito punk, ao lado das bandas pioneiras já citadas neste post. Em 78, lançaram o primeiro single Picture My Face / Tearin' Me Apart pelo selo Interglobal Music. A primeira parece muito com Stooges, principalmente o vocal. A segunda, é Heartbreakers puro. Ainda no mesmo ano fizeram mais um compacto com as faixas Top Down e Kissin' the Carpet. A guitarra a la Ramones é evidente na primeira faxa. Mas é bom dizer que ao mesmo tempo eles tinham um estilo próprio.
A repercursão destes lançamentos ficou restrita ao circuit underground. Mas a banda já criara uma certa fama e, em 78, lançou o primeiro LP, Teenage Head. No entanto, pouco depois e justamente quando começavam a ver a fama crescer, a Interglobal faliu. Assim, por muito tempo, estes três discos ficaram fora de catálogo, sendo relançados apenas nos anos 90, quando iniciou-se a era do CD. No disco, as influências citadas são bem claras. É "punk mais rock do que nunca" para ser ouvido no volume máximo.
Em 1980 assinaram com um selo maior, a Attic Records. Com isso puderam investir mais na gravação do segundo LP, Frantic City, produzido pelo ex-guitarrista de David Bowie, Stacey Heydon. O resultado é um som bem mais polido e 99% rock'n'roll. Vale a pena ouvir, mas nada tem a ver com punk. E daí em diante a banda seguiu essa linha, embora o terceiro LP, de 82, chamado Some Kinda od Fun, seja mais pesado e tenha ficado famoso como "trilha sonora ideal para festas regadas a cerveja". Daí em diante e principalmente após assinarem com a CBS, que os forçou a mudar o nome para Teenage Heads, distanciaram-se do punk, embra usassem a fama de banda punk - especialmente com a retomada do interesse pelo gênero nos anos 90. Seja como for, o Teenage Head foi uma das mais influentes bandas dos primeiros anos do punk canadense e merece ser incluído em qualquer historiografia que se faça em relação ao punk rock no mundo. Em tempo: Frank Venom morreu em 2007, em consequência de um câncer na garganta.
21 de jan de 2010
D.O.A.: sempre vivos
Subhumans e DOA são crias do mesmo útero, gêmeos separados no nascimento. Em 1978, após o fim do Skulls e da experiência "Wimpy and The Bloated Cows" em Toronto, Joey "Shithead" Keithley retornou a Vancouver e não demorou saiu a procura de comparsas para montar uma nova banda. Inicialmente convidou um certo Randy Archibald, que tocava com um grupo chamado Looney Tunes, para a bateria, mas como ele não era lá essas coisas, foi atrás de outro e acabou chamando Chuck, irmão caçula de Ken "Dimwit" (do Subhumans, e ex-Skulls). Depois, sugeriu a Randy que aprendesse a tocar baixo. Logo o trio estava ensaiando uma média de quatro horas por dia. Num desses ensaios, que era realizado em uma espécie de estúdio de segunda mão onde vários grupos tocavam, apareceu um cara com toda a pinta de punk e, depois de vê-los tirar umas músicas disse: "Caras, vocês são bons. Meu nome é Harry Homo. Vocês serão a banda, eu serei o vocalista, vamos ganhar um milhão de dólares e vamos ser o D.O.A." Assim, na maior folga. E deu certo! Os caras toparam.
Primeira fase
A estreia do D.O.A. foi no dia 20 de fevereiro de 78, em um local chamado Japanese Hall, ao lado de várias bandas, punks e new wave, como era comum naqueles tempos. Depois da estreia ficou claro que Harry era um ótimo frontman, mas não tinha qualquer dom musical, cantava totalmente fora do tempo. Foi descartado e Joey assumiu a função de guitarrista e vocalista. Assim, como um trio e pouco mais de um mês depois começaram a tocar regularmente em outros locais, inclusive no Smilin' Buddha, uma espécie de CBGB's ou 100 Club de Vancouver. Em pouco tempo Joey e seus amigos fizeram uma série de apresentações que se tornaram lendárias.
A essa altura, com vários sons compostos por Joey e Chuck, já pensavam em gravar algo. Claro que nem procuraram gravadora. Juntaram tudo o que podiam e produziram sozinhos seu primeiro compacto. DIY total. Para isso, agendaram nove horas (tudo o que poderiam pagar) no Ocean Studios. A sessão foi realizada com uma bateria alugada e, como eles possuíam apenas os instrumentos, amplificadores que os donos do estúdio garantiram que providenciariam. Só não avisaram que eram Ampegs da década de 50, bem ruinzinhos. Some-se a isso uma inexperiência completa em gravações. O resultado foram quatro faixas incrivelmente punks, que se constituíram em Disco Sucks, um dos melhores compactos (não)produzidos no Canadá até hoje. Além da faixa-título, o artefato tinha Nazi Training Camp, Royal Police e Woke Up Screaming e foi lançado com uma prensagem de 500 cópias. Este disco também marcou a fundação do selo Sudden Death Records, de propriedade deles mesmos.
A pequena bolacha abriu as portas para a banda. Eles mandaram cópias para alguns fanzines e estações de rádio independentes dos EUA. A seguir, convenceram o pessoal do lendário Mabuhay Garden, clube de San Francisco, a agendar alguns shows. Em agosto de 78 se apresentaram pela primeira vez em solo estrangeiro. Acabaram passando um tempo a mais por lá e iniciaram uma grande amizade com Jello Biafra (Dead Kennedys).
De volta a Vancouver, gravaram o segundo compacto (o excelente The Prisoner/13), desta vez, pelo selo Quintessence Records, que também reprensou Disco Sucks. Pouco depois, já em 79, entraram pela terceira vez em estúdio para gravar duas faixas (I Hate You e Kill, Kill, This Is Pop) para a coletânea Vancouver Complication, um álbum essencial para quem quer conhecer as origens do punk canadense.
Na sequência, fizeram uma turnê pelos EUA, cheia de contratempos e da qual retornaram sem um centavo. Mas fizeram uma certa fama e ganharam experiência o bastante para descobrir que precisavam de alguém para gerenciá-los, o que os levou a Ken Lester um ativista político, cheio de ideias irreverentes. A banda e o empresário iniciaram uma parceria bastante produtiva e duradoura. Nessa época, lançaram o terceiro compacto, com as excelentes World War 3 e Whatcha Gonna Do?, que saiu inicialmente pelo selo deles e depois pela Quintessence, daí haver duas capas diferentes do mesmo disco.
Um breve fim e o primeiro LP
Depois de finalizarem uma turnê pelo Canadá e algumas cidades dos EUA (durante a qual fizeram um retorno rápido a Vancouver para abrir um show do Clash), aconteceu um dos mais bizarros episódios dessa primeira fase da banda. No retorno da turnê, agendaram um show na UBC (University of British Columbia) que teria a segurança por conta de estudantes de engenharia. Péssima ideia dos organizadores. Punks e engenheiros são coisas que não combinam e, claro, terminou tudo em (mais uma) grande briga. Como vinham de uma maratona de seguidas confusões, acabaram discutindo sério e decidiram dar um fim à banda.
Mas Joey não desistiu, principalmente porque haviam começado a gravar o primeiro LP, e, mesmo bastante chateado, procurou outros comparsas e remontou o D.O.A. em poucos dias. Com Dave Greg como segundo guitarrista, Simon "Stubby Pecker" Wilde no baixo e Andy Graffiti na batera, o grupo deu sequência às gravações e poucos meses depois fizeram uma apresentação que não foi lá das melhores. Só que, quem estava na plateia? Randy e Chuck! Depois do show eles conversaram com Joey e resolveram que o D.O.A. original deveria voltar. Azar dos novos integrantes, que da noite para o dia tornaram-se ex! Com Joey, Chuck e Randy o D.O.A. voltou ao estúdio e regravou tudo o que havia sido feito. Foi assim que surgiu Something Better Change, o primeiro LP do grupo, uma pérola do punk rock. Passado algum tempo, Ken Lester insistiu para que Dave Greg se tornasse o segundo guitarrista, algo que considerava essencial para o som da banda. Com isso o D.O.A. tornou-se um quarteto e iniciou uma nova fase, tão produtiva quanto a anterior.
Hardcore
No final de 1980, o D.O.A. começou a gravar seu segundo LP, que receberia o título de Hardcore 81, inspirado por um artigo publicado em uma revista de San Francisco sobre a cena punk da Costa Oeste dos EUA. O texto falava sobre bandas como Dead Kennedys, Avengers, Black Flag e Circle Jerks e incluiu o D.O.A., mesmo eles sendo canadenses. O título do artigo era "Hardcore". Erroneamente, tem gente que pensa ser este segundo LP do D.O.A. que batizou o gênero. Nada a ver.
Apesar disso, o LP foi realmente um dos pioneiros no estilo de punk rock mais rápido e conteúdo político das letras. O momento também era especial. Um novo punk rock explodia no mundo todo, mais espontâneo, mais esclarecido politicamente, mais rebelde no sentido de contestar os governantes, de desafiar o poder estabelecido. E tudo de forma independente, sem o dedo da grande mídia, através de fanzines e pequenos selos, muitos pertencentes às próprias bandas. Anarquismo deixava de ser apenas um termo e passava a ser um ideal. O HC tem o mérito de não ter necessitado de nenhum Malcom McLaren para se impor. E o D.O.A. captou aquele momento em um disco de 14 faixas. Até mesmo Communication Breakdown, do "Dead" Zeppelin, soa agressiva e contestadora na versão de Joey e cia. Pode não ter sido o primeiro, mas é ate hoje um dos melhores discos de hardcore de todos os tempos.
Em abril, antes mesmo de o disco ser lançado, eles organizaram a primeira versão da Hardcore 81 Tour, que durou até o mês de junho e durante a qual aconteceram várias brigas entre os integrantes da banda e do staff. Apesar disso, a vida continuava. O LP saiu, foi bem aceito e a turnê sem fim continuava. Ainda em 81, no mês de outubro, fizeram o primeiro show em Londres, junto com o Dead Kennedys. Um pouco antes de viajarem lançaram um EP, com o nome Positively DOA, pela Alternative Tentacles, que organizou a apresentação. O disco foi gravado às pressas e apresenta novas versões para Disco Sucks, que se tornou New Wave Sucks, e Fucked Up Baby que virou Fucked Up Ronnie. Completam a bolacha outras três faixas que já estavam no LP.
No retorno de Londres, Randy Rampage já não estava mais satisfeito com a banda e começou a demonstrar total desinteresse, além de aparecer sempre chapado demais para os ensaios e shows. Na noite de ano novo, ele fez a última apresentação como baixista do D.O.A.
75% Skulls
A vaga de Randy foi preenchida por Dimwit, que deixara o Subhumans e trocou a batera pelo baixo. Com isso, os três irmão Montgomery estavam envolvidos com o DOA. Chuck na batera, Ken no baixo e Bob como road. Mas não durou muito. Durante as gravações do que seria o terceiro LP, em que resolveram trabalhar novos elementos e ritmos como o reggae. Dimwit e Chuck discutiram feio. Foi a gota d'água para o baterista, que ja não estava contente com a banda há algum tempo.
Naturalmente, Dimwit assumiu as baquetas e ficaram de novo sem um baixista. A notícia de que o Subhumans estava por um fio os animou a procurar o velho amigo Brian "Wimpy" Goble, que aceitou o convite. Com isso, o D.O.A. passava a ter quase a mesma formação do The Skulls. Apenas Dave Greg não estava com os demais integrantes no pioneiro grupo de 77. A nova formação manteve a sequência interminável de shows e gravou War on 45, o terceiro LP, que saiu pela Alternative Tentacles e teve uma produção mais aprimorada. O disco mostra um D.O.A. mais maduro, porém, menos agressivo, mas é punk de primeira qualidade, com certeza.
Em 1983, com a prisão de Gerry Useless (a história está no post anterior), o D.O.A. deu início a uma de suas tradições: fazer discos beneficentes, sempre em prol de causas políticas. A renda do single The Right To Be Wild foi destinada às despesas judiciais para defender Gerry das acusações de terrorismo. Além disso, eles organizaram vários shows para arrecadar uma grana extra (advogados são caros aqui, no Canadá, mais ainda!).
Pouco depois do lançamento deste ep, Dimwit trocou o D.O.A. pelo Pointed Sticks. No lugar dele, entrou Greg "Ned Peckerwood" James, x-Verbal Abuse. Na mesma época, Ken Lester arranjou umas horas no Fantasy Studios, em Berkeley (EUA) para remixar as melhores faixas dos dois primeiros LPs. O resultado é Bloodied but Unbowed, que realmente tem uma qualidade bem superior em relação aos originais e, ao contrário do que muita gente pensa, não é uma coletânea dos primeiros compactos, mas sim os melhores momentos dos dois primeiros LPs.
Festa e distanciamento
1984 começou bem para o D.O.A. com a primeira turnê europeia do grupo, durante a qual gravaram uma Peel Session, que resultou no compacto Don't Turn Yer Back, com quatro faixas. De volta para casa, alguns meses depois, Peckerwood foi convidado a sair pois não estava agradando. Para seu lugar, Dimwit voltou e, de novo, o D.O.A. tinha três ex-Skulls na formação. O passo seguinte, em meio a muitos shows, claro, foi entrar em estúdio mais uma vez. Para produzir o quarto LP escolheram (ou foram escolhidos) o produtor Brian "Too Loud" McLeod, ex-guitarrista de uma banda de hard rock chamada The Headpins. O resultado foi um distanciamento das raízes punks da banda e uma aproximação com o heavy metal e o hard rock, algo muito comum entre as bandas punks daquele período. Joey considera esse o disco mais rock'n'roll do D.O.A., com toda razão.
A turnê de promoção deste LP foi a mais longa de toda a história da banda, por isso, eles mesmo se referiam a ela como a "Endless Tour". Foram oito meses na estrada, com 132 shows em 105 cidades diferentes de 13 países. Óbvio que tanto tempo na estrada rendeu boas histórias, mas algum estresse também. Dimwit acabou sendo a bola da vez e de novo o D.O.A. estava sem batera. Para seu lugar, Jon Card, ex-personality Crisis e SNFU foi o escolhido. Na sequência, gravam o quinto LP, True (North) Strong and Free, desta vez com o produtor Cecil English, que iria trabalhar com eles em outros seis discos. A essa altura, o D.O.A. já era um grupo extremamente profissional. Em relação ao punk, conservaram a postura política, a independência total e absoluta, mas o som agora era rock. Dos bons e de muita atitude, mas não punk rock.
Mais um breve fim
As mudanças na formação passaram a ser mais constantes. A saída do produtor Ken Lester foi a deixa para Dave Greg também abandonar o barco. Em seu lugar entrou Cris "Humper" Prohom, ex- Day Glo Abortions. Antes de lançarem um novo álbum com essa formação, saiu um disco ao vivo, chamado Talk-Action=0, que se tornaria uma espécie de lema para o grupo nos anos 90. O sexto disco (já na era do CD), Murder, mostra um D.O.A. bem mais politizado e engajado em termos de letras, porém, bem menos criativo e enérgico em relação ao som. Depois de mais um tour pela Europa e shows pela América do Norte, em 1990 chegava ao fim a primeira fase do D.O.A., certamente uma banda que ajudou a fazer do punk algo mais que uma explosão acontecida nos agora longínquos anos de 76/77.
Dois anos depois de "acabar", Joey Shithead e Brian "Wimpy" Goble ressuscitaram a banda, que desde então jamais parou, apesar de ter mudado de formação diversas vezes, e lançou mais sete álbuns de estúdio e uma porrada de singles. Sem dúvida, o D.O.A. é hoje uma instituição do punk rock, embora tenham incorporado (talvez, exageradamente) elementos de reggae, heavy metal, hard rock, etc, em seu som.
Em tempo: D.O.A. significa Dead On Arrival, um termo que os médicos usam para aquelas pessoas que dão entrada no hospital já em óbito.
Baixe aqui o clássico Something Better Change
DOA Facts
- O primeiro batera do D.O.A., Chuck Biscuits, tornou-se uma lenda do rock'n'roll. Depois de deixar a banda, ele tocou com o Black Flag, Danzig e Run DMC, entre outros. No ano passado, rolou um boato na internet (hoax) de que ele teria morrido de um câncer na garganta. Mas o cara tá vivinho da silva.
- Joey Shithead já lançou dois CDs solo: Beat Trash (99) e Rock Steady (2006). Neles vai do reggae ao punk e inclui várias faixas apenas faladas, em que conta histórias engraçadas de suas múltiplas viagens pelo mundo.
- Quando Ken Lester começou a empresariar o grupo, o primeiro show que ele agenciou foi um evento chamado Rock Against Radiation, que como o nome sugere era uma manifestação contra a proliferação de usinas nucleares. Tocaram D.O.A., Subhumans, K-Tels, Pointed Sticks e Reconstruction. Cerca de três mil pessoas participaram da manifestação, que teria sido precursora desse tipo de manifestação no Canadá. No ano seguinte, com organização de entidades oficiais e da Igreja foi organizada uma passeata com mais 50 mil pessoas chamada No Nuke.
- Após abrirem um show do X, em 1980, os caras do D.O.A. cruzaram com ninguém menos que David Lee Roth, vocalista do Van Halen. O roadie do D.OA. (Bob Montgomery) pediu que ele desse um de seus gritinhos característicos. Como o popstar se recusasse, Bob simplesmente o pegou pela garganta, exigiu que gritasse e só soltou depois que ouviu o cara tentar gritar. Já nos aos 80, o grupo canadense abriu um show de Davd Lee Roth...
- Em 1989, Joey Shithead (Jello Biafra também) atuou no filme Terminal City Ricochet. Na trilha sonora da película entrou uma versão do D.O.A. para Behind the Smiles, do Subhumans, e uma parceria do grupo com Biafra, que deu tão certo que eles acabaram gravando um LP inteiro, chamado Last Screams of The Missing Neighbors.
- A Sudden Death Records, fundada por eles para lançar o primeiro compacto, está em atividade e abriga diversas bandas.
- A maioria das informações aqui contidas foram tiradas do livro I, Shithead, a Life in Punk escrito pelo próprio Joey. Na obra, há muitas (muitas mesmo) histórias engraçadas. Quem puder adquirir não hesite, mas é possível ler o livro on line: clique aqui.
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